Acesso restrito

Anabela Fino

A de­missão do di­rector ar­tís­tico do Museu de Arte Con­tem­po­rânea de Ser­ralves, João Ribas, ale­ga­da­mente de­vido às res­tri­ções im­postas pela ad­mi­nis­tração da Fun­dação à mostra do tra­balho do fo­tó­grafo norte-ame­ri­cano Ro­bert Map­plethorpe, com fotos de sexo ex­plí­cito, abriu uma po­lé­mica que não está es­cla­re­cida.

Se­gundo a im­prensa, a ad­mi­nis­tração terá im­posto a re­ti­rada de al­gumas obras e li­mi­tado a mai­ores de 18 anos uma parte da ex­po­sição, le­vando à de­missão do cu­rador Ribas na pas­sada sexta-feira, um dia de­pois da inau­gu­ração, por já não ter «con­di­ções para con­ti­nuar à frente da ins­ti­tuição», como o pró­prio afirmou ao jornal Pú­blico.

En­tre­tanto, o con­selho de ad­mi­nis­tração da Fun­dação de Ser­ralves, em co­mu­ni­cado di­vul­gado no sá­bado, 22, afirma que «não re­tirou ne­nhuma obra da ex­po­sição», ga­rante que todas as fotos foram «es­co­lhidas pelo cu­rador», e acres­centa que «desde o início a pro­posta da ex­po­sição foi apre­sentar as obras de cariz se­xual ex­plí­cito numa zona com acesso res­trito (su­bli­nhado nosso) dado o teor de vá­rias das obras ex­postas e sendo Ser­ralves uma ins­ti­tuição vi­si­tada anu­al­mente por quase um mi­lhão de pes­soas de todas as ori­gens, idades e na­ci­o­na­li­dades, in­cluindo mi­lhares de cri­anças e cen­tenas de es­colas».

Con­si­de­rando que a mostra es­tava a ser pre­pa­rada há mais de um ano, é no mí­nimo es­tranho o que acon­teceu, tanto mais que após a de­missão do cu­rador sur­giram na im­prensa, sob ano­ni­mato, vá­rias de­nún­cias de tra­ba­lha­dores de Ser­ralves sobre o clima pouco sau­dável que se es­tará a viver na ins­ti­tuição.

Se é ma­ni­festo que faltam dados para es­cla­recer este im­bró­glio, uma coisa é evi­dente: a ad­mi­nis­tração de Ser­ralves con­si­dera le­gí­timo impor o acesso res­trito, ou seja re­ser­vado, li­mi­tado, que não é para todos, a obras de arte de cariz se­xual ex­plí­cito.

Isto tem um nome: cen­sura. Porque res­tringir o acesso a certas obras não é o mesmo do que alertar para que essas obras têm um de­ter­mi­nado ca­rácter, dei­xando aos vi­si­tantes, de­sig­na­da­mente os acom­pa­nhantes de me­nores, a de­cisão de as vi­su­a­lizar ou não. Dito de outra forma, a ad­mi­nis­tração de Ser­ralves ar­roga-se o di­reito de se subs­ti­tuir a fa­mi­li­ares ou pro­fes­sores.

Sendo a Fun­dação de Ser­ralves uma ins­ti­tuição pri­vada de uti­li­dade pú­blica, fi­nan­ciada em 40% pelo Es­tado, valor su­pe­rior ao in­ves­tido em todos os mu­seus pú­blicos na­ci­o­nais, que tem como missão es­ti­mular o in­te­resse de pú­blicos de di­fe­rentes ori­gens e idades por «temas crí­ticos para a so­ci­e­dade», o Mi­nis­tério da Cul­tura não pode ig­norar este caso, que con­fi­gura uma pre­o­cu­pante ten­dência de res­sur­gi­mento do falso pu­ri­ta­nismo, que como a His­tória nos en­sina é o ovo da ser­pente onde se in­cuba a cen­sura, se­mente fatal para a li­ber­dade e para a de­mo­cracia.



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