Caça às bruxas

João Frazão

Na tentativa de afiançar a transparência de processos decorrentes dos incêndios, a Comissão de Coordenação da Região Centro (CCDRC) disponibiliza na sua página “um formulário para a submissão de denúncias sobre eventuais apoios indevidos na recuperação de habitações permanentes e empresas”. A CCDRC dá “garantia de confidencialidade”, “podendo” o delator “optar pelo, anonimato durante o processo de registo”.

Mal vai uma instituição pública que assim se deixa levar pelos títulos dos jornais da sensação, que lançam o manto da desconfiança sobre todos os atingidos por estas tragédias.

Esta atitude, parecendo ser resposta a tais manobras mediáticas, na verdade faz parte delas enquanto peça da operação que pretende responsabilizar os lesados pelos prejuízos de que foram vítimas. Operação que começou no dia seguinte aos incêndios de Pedrógão, atirando para cima dos pequenos proprietários, esses malandros que persistem em não perder ligações às terras que os viram nascer, a responsabilidade dos incêndios, e que tenta responsabilizar agora os que teimam lá morar mas que ao longo de décadas foram desprezados por sucessivos governos, pelos injustificáveis atrasos na recuperação de habitações.

Bem poderia a CCDRC abrir formulários electrónicos de denúncia destes atrasos, que são da sua exclusiva responsabilidade para as vítimas que, por obstinação do Governo, não tiveram acesso a qualquer apoio, ou generalizar esta experiência para todos os apoios ao grande capital, para onde jorram milhões de euros sem controlo.

Rejeitando qualquer prática ilícita, é verdadeiramente abominável esta lógica de promoção da delação, esta técnica medieval da caça às bruxas, que leva à sua queima na fogueira da moral e dos bons costumes para ilibar a política de direita. Ainda por cima incentivando o retomar de práticas pidescas a que a Revolução de Abril pôs fim e de que resultará, inevitavelmente, a deterioração do ambiente social e do convívio característico destas comunidades aldeãs.




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