A intervenção do PCP na nova fase da vida política nacional

João Oliveira (Membro da Comissão Política)

Os úl­timos quatro anos con­firmam que no XX Con­gresso ca­rac­te­ri­zámos com rigor e acerto a nova fase da vida po­lí­tica na­ci­onal e as con­di­ções da nossa in­ter­venção nesse quadro.

Acer­támos no XX Con­gresso quando cons­ta­támos a im­por­tância de termos lu­tado para isolar po­lí­tica e so­ci­al­mente o go­verno PSD/​CDS e de termos usado as nossas forças para os re­tirar do go­verno, in­ter­rom­pendo a sua acção des­trui­dora e a po­lí­tica de agra­va­mento da ex­plo­ração e em­po­bre­ci­mento.

Afir­mámos com razão que es­tava aberta a pos­si­bi­li­dade de de­fender, repor e con­quistar di­reitos e que era pre­ciso apro­veitá-la.

Pre­ve­nimos acer­ta­da­mente que, apesar da in­fluência de­ci­siva que o PCP as­sumiu no quadro dessa cor­re­lação de forças, o go­verno era um go­verno mi­no­ri­tário do PS ori­en­tado pelas suas op­ções de classe e com­pro­missos com a po­lí­tica de di­reita e que a di­mensão da­quilo que se podia al­cançar de­pendia es­sen­ci­al­mente da luta e da in­ter­venção e ini­ci­a­tiva do PCP.

Su­bli­nhámos que a re­pe­tição de ideias falsas sobre um go­verno e uma mai­oria de es­querda que nunca exis­tiram não al­te­ravam a re­a­li­dade de haver um go­verno mi­no­ri­tário do PS, con­di­ci­o­nado pela cor­re­lação de forças exis­tente.

Aler­támos para a ne­ces­si­dade de com­bater ilu­sões re­la­ti­va­mente às op­ções do PS e sen­ti­mentos e ati­tudes de aten­tismo e ex­pec­ta­tiva que par­tiam da ideia er­rada de que a As­sem­bleia da Re­pú­blica e o go­verno se en­car­re­ga­riam de re­solver os pro­blemas e cor­res­ponder aos an­seios dos tra­ba­lha­dores sem que para isso fosse pre­ciso lutar.

Esta ca­rac­te­ri­zação que fi­zemos da nova fase da vida po­lí­tica na­ci­onal foi con­fir­mada pela re­a­li­dade.

E por muitas fal­si­fi­ca­ções que ainda sejam ten­tadas, fi­cará para a his­tória a re­po­sição de di­reitos que se jul­gava es­tarem de­fi­ni­ti­va­mente per­didos e a con­quista de ou­tros que não se jul­gava pos­sível al­cançar.

Fi­cará para a his­tória a me­lhoria das con­di­ções de vida dos tra­ba­lha­dores e do povo e fi­cará a es­pinha atra­ves­sada na gar­ganta do Ca­pital de ter sido por in­fluência, acção e ini­ci­a­tiva do PCP que tudo isso se con­se­guiu.

Con­tri­buto de­ci­sivo
Se não temos re­ceio nem he­si­tação em as­sumir o con­tri­buto de­ci­sivo que demos para tudo quanto foi al­can­çado na­quele pe­ríodo é porque o fi­zemos con­victos de que era isso que me­lhor servia os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores e do povo e porque foi de facto um tempo de avanço que con­trasta com dé­cadas de me­didas de re­tro­cesso.

A luta que tra­vámos e con­ti­nu­amos a travar por novos avanços e con­quistas in­tegra a luta pela al­ter­na­tiva pa­trió­tica e de es­querda e con­voca os tra­ba­lha­dores e o povo a mo­bi­li­zarem-se para esse ob­jec­tivo.

Essa luta exigiu e exige a de­núncia que con­ti­nu­a­remos a fazer das op­ções de classe do PS, dos seus com­pro­missos com a po­lí­tica de di­reita e da falta de res­posta aos pro­blemas es­tru­tu­rais do País.

O que essa luta sig­ni­fica é que o PCP e a sua força contam e contam mesmo para que os pro­blemas na­ci­o­nais te­nham so­lução e lhes seja dada res­posta.

Ao longo da­queles quatro anos entre 2015 e 2019 não nos can­sámos de su­bli­nhar a ne­ces­si­dade de uma nova cor­re­lação de forças mais fa­vo­rável aos tra­ba­lha­dores e ao povo, com o re­forço do PCP, para que novas con­quistas e ob­jec­tivos mais avan­çados pu­dessem ser al­can­çados. Aler­támos para os pe­rigos que re­sul­ta­riam de um quadro em que o PS se visse de mãos li­vres para fazer a po­lí­tica que qui­sesse.

Mais uma vez, a re­a­li­dade veio dar-nos razão.

O quadro po­lí­tico que re­sultou das elei­ções le­gis­la­tivas de 2019 pôs fim à nova fase da vida po­lí­tica na­ci­onal e deixou o PS mais li­berto para con­cre­tizar as suas op­ções da po­lí­tica de di­reita.

A di­mensão dos im­pactos eco­nó­micos e so­ciais da epi­demia pôs a nu as fra­gi­li­dades de um país fus­ti­gado por dé­cadas de po­lí­tica de di­reita. E deixou também evi­dente a visão do PS sobre o quadro po­lí­tico em que agora go­verna.

Pe­rante os im­pactos da epi­demia, o Go­verno PS deixou os tra­ba­lha­dores à mercê dos des­pe­di­mentos e dos cortes de sa­lá­rios, deixou MPME sem apoios e sec­tores eco­nó­micos in­teiros à beira da ruína, man­teve ser­viços pú­blicos à míngua de tra­ba­lha­dores e de in­ves­ti­mento e sem ca­pa­ci­dade de res­posta às ne­ces­si­dades dos utentes e das po­pu­la­ções. Não moveu um dedo para travar a acção dos grupos eco­nó­micos que apro­vei­taram a epi­demia como pre­texto para agravar a ex­plo­ração, li­quidar di­reitos, sa­quear ser­viços pú­blicos e acu­mular lu­cros fa­bu­losos com o ne­gócio da do­ença.

Tendo ga­ran­tida a apro­vação an­te­ci­pada pelo PSD do Or­ça­mento Su­ple­mentar que con­sa­grava essas op­ções, o Go­verno PS não quis aceitar nem a crí­tica nem as pro­postas do PCP. Con­si­de­rando aquilo que me­lhor cor­res­pondia à de­fesa do seu com­pro­misso com os tra­ba­lha­dores e o povo, o PCP votou contra esse or­ça­mento su­ple­mentar.

Quatro meses de­pois, num con­texto de maior pre­o­cu­pação face ao agra­va­mento da epi­demia e à de­gra­dação ace­le­rada da si­tu­ação eco­nó­mica e so­cial, o pro­blema voltou a co­locar-se.

Avanços no OE para 2021
Par­tindo de uma pro­posta de or­ça­mento para 2021 sem cor­res­pon­dência com a ne­ces­sária res­posta global aos pro­blemas na­ci­o­nais, o PCP per­mitiu que se fi­zesse a sua dis­cussão na es­pe­ci­a­li­dade e con­frontou o Go­verno PS com pro­postas e so­lu­ções con­cretas.

A partir da apro­vação de pro­postas apre­sen­tadas pelo PCP, o Or­ça­mento passou a in­cluir um au­mento sig­ni­fi­ca­tivo das verbas des­ti­nadas ao re­forço do SNS, à con­tra­tação de pro­fis­si­o­nais de saúde, ao in­ves­ti­mento em equi­pa­mentos hos­pi­ta­lares e à re­cu­pe­ração de con­sultas em atraso, ao re­forço dos cui­dados in­ten­sivos e das equipas de saúde pú­blica; con­sa­grou o pa­ga­mento dos sa­lá­rios por in­teiro e o pro­lon­ga­mento do sub­sídio de de­sem­prego por seis meses; passou a ga­rantir o sub­sídio de risco aos tra­ba­lha­dores de todos os ser­viços es­sen­ciais da res­pon­sa­bi­li­dade do Es­tado; passou a prever que as MPME te­nham acesso a apoios para as­se­gurar o pa­ga­mento de sa­lá­rios e sejam dis­pen­sadas do Pa­ga­mento por Conta; ins­creveu a cri­ação de um apoio ao tra­balho ar­tís­tico e cul­tural para que a ac­ti­vi­dade seja re­to­mada em con­di­ções de se­gu­rança sa­ni­tária; ins­creveu a con­tra­tação de 5000 au­xi­li­ares e téc­nicos para as es­colas e 2500 pro­fis­si­o­nais para as forças e ser­viços de se­gu­rança; alargou o au­mento de € 10 euros das pen­sões e ga­rantiu que seja pago a partir de Ja­neiro. E con­ti­nu­amos a lutar por um au­mento do Sa­lário Mí­nimo Na­ci­onal além do valor que o Go­verno já tinha ad­mi­tido, para que sejam re­vo­gadas as normas gra­vosas da le­gis­lação la­boral e se avance para um au­mento geral dos sa­lá­rios, in­cluindo na Ad­mi­nis­tração Pú­blica.

Mais uma vez, agindo com total li­ber­dade e in­de­pen­dência, o PCP marcou a sua po­sição nesse or­ça­mento dis­tan­ci­ando-se das op­ções que o Go­verno as­sumiu mas não des­per­di­çando o que a luta dos tra­ba­lha­dores e a in­ter­venção do PCP per­mi­tiram que se al­can­çasse.

Su­blinha-se, agindo com total li­ber­dade e in­de­pen­dência em função dos seus cri­té­rios e ob­jec­tivos. E faz-se esse su­bli­nhado porque não falta quem queira li­mitar e con­di­ci­onar a li­ber­dade e in­de­pen­dência de de­cisão do PCP.

Uns, pro­cu­rando que o PCP lhes sirva de ins­tru­mento na es­tra­tégia para re­tomar, ainda com mais força, a po­lí­tica de ex­plo­ração e em­po­bre­ci­mento in­ter­rom­pida em 2015.

Ou­tros, pro­cu­rando con­di­ci­onar o PCP na de­núncia das op­ções da po­lí­tica de di­reita que com­pro­metem o fu­turo do País.

O Par­tido que sempre fomos
Vi­vemos um tempo mar­cado pela in­ca­pa­ci­dade da so­cial-de­mo­cracia as­se­gurar a res­posta ne­ces­sária aos pro­blemas e an­seios dos tra­ba­lha­dores e do povo, avo­lu­mando in­dig­na­ções, des­con­ten­ta­mentos e re­volta que são pasto para a ins­tru­men­ta­li­zação por PSD, CDS e ou­tras forças re­ac­ci­o­ná­rias para os seus pro­jectos anti-de­mo­crá­ticos.

Este tempo, que é um tempo de acção e luta, com todas as com­ple­xi­dades e con­tra­di­ções que com­porte torna ainda mais clara a ne­ces­si­dade da luta pela al­ter­na­tiva pa­trió­tica e de es­querda e do re­forço da acção, in­ter­venção e in­fluência do PCP como con­tri­buto de­ci­sivo para esse ob­jec­tivo.

Não se­remos in­tér­pretes ou exe­cu­tantes de ne­nhuma me­lodia es­crita pelo ca­pital e seus re­pre­sen­tantes re­ac­ci­o­ná­rios nem se­remos o pri­meiro vi­o­lino de uma or­questra di­ri­gida por so­ciais-de­mo­cratas.

Con­ti­nu­a­remos a ser o Par­tido Co­mu­nista que sempre fomos, firme no seu com­pro­misso com os tra­ba­lha­dores e o povo, livre e in­de­pen­dente na es­colha do ca­minho que de­cide per­correr, de­ter­mi­nado nos seus ob­jec­tivos de sempre de cons­trução do so­ci­a­lismo e do co­mu­nismo em Por­tugal.

 



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