O Poder Local Democrático, situação, perigos e a luta para a sua defesa

Margarida Botelho (Membro da Comissão Política)

O Poder Local De­mo­crá­tico, si­tu­ação, pe­rigos e a luta para a sua de­fesa

Foi o papel que o Poder Local teve logo após a Re­vo­lução, com a con­cre­ti­zação de pro­fundas trans­for­ma­ções so­ciais, nos ter­ri­tó­rios e na de­mo­cra­ti­zação da vida local que levou a que a Lei o re­co­nhe­cesse como ema­nação da von­tade po­pular. Não há nas ou­tras ad­mi­nis­tra­ções lo­cais na Eu­ropa poder local com as ca­rac­te­rís­ticas do por­tu­guês, porque o nosso de­corre de um pro­cesso re­vo­lu­ci­o­nário, tem pro­fundas raízes de­mo­crá­ticas, ba­seia-se na par­ti­ci­pação po­pular e na pro­xi­mi­dade.

As câ­maras e as juntas, par­ti­cu­lar­mente as ge­ridas pela CDU, ti­veram e têm um papel de­ter­mi­nante nas co­mu­ni­dades. Além de as­se­gu­rarem ser­viços pú­blicos es­sen­ciais (como a água ou a hi­giene ur­bana), ou de as­su­mirem papel des­ta­cado na pro­moção da cul­tura e do des­porto, seja nas infra-es­tru­turas com a pro­gra­mação, as au­tar­quias são es­paço de par­ti­ci­pação po­pular que de­vemos ocupar e de­fender. O papel que as au­tar­quias ti­veram na luta pela re­cu­pe­ração das 35 horas de tra­balho na Ad­mi­nis­tração Pú­blica é exem­plar das po­ten­ci­a­li­dades que existem.

Lem­brar esta his­tória e este pro­cesso ajuda a com­pre­ender a im­por­tância de de­fender e as ten­ta­tivas – al­gumas já con­cre­ti­zadas – de li­mi­tação e am­pu­tação das ca­rac­te­rís­ticas es­sen­ciais do poder local, que se in­te­gram numa ofen­siva mais vasta contra o re­gime de­mo­crá­tico.

Evo­lução con­tra­di­tória
As Teses iden­ti­ficam evo­lu­ções de sen­tido con­tra­di­tório nestes quatro anos. Por um lado, foi pos­sível re­cu­perar par­celas de au­to­nomia ad­mi­nis­tra­tiva e fi­nan­ceira (como os li­mites à con­tra­tação, por exemplo), que ti­nham sido ví­timas da acção dos go­vernos PSD/​CDS.

Por outro lado, o Go­verno PS man­teve as li­nhas da po­lí­tica de di­reita, de sub­versão do poder local de­mo­crá­tico:

• Con­ti­nuou a in­sistir no cen­tra­lismo, re­cu­sando-se a repor as fre­gue­sias li­qui­dadas e a criar as re­giões ad­mi­nis­tra­tivas, apre­sen­tando em con­tra­ponto a cha­mada «de­mo­cra­ti­zação das CCDR», e con­ti­nuou a re­forçar o papel das Co­mu­ni­dades In­ter­mu­ni­ci­pais;

• per­sistiu num «mo­delo de sub­fi­nan­ci­a­mento do poder local, com a apro­vação de um novo re­gime de fi­nanças lo­cais que ins­ti­tu­ci­o­na­liza o in­cum­pri­mento de leis an­te­ri­ores e fixa uma par­ti­ci­pação das au­tar­quias nos re­cursos do Es­tado»;

• avançou para o cha­mado pro­cesso de trans­fe­rência de com­pe­tên­cias, re­sul­tante de um acordo formal entre PS e PSD, à se­me­lhança do que já tinha feito para a lei das fi­nanças lo­cais.

A cha­mada trans­fe­rência de com­pe­tên­cias re­pre­senta uma des­res­pon­sa­bi­li­zação do Es­tado nas suas fun­ções so­ciais, pas­sando para as au­tar­quias res­pon­sa­bi­li­dades e en­cargos fi­nan­ceiros que não são seus e que com­pro­metem a sua sus­ten­ta­bi­li­dade fi­nan­ceira. A trans­fe­rência de com­pe­tên­cias põe em causa o pleno acesso de todos em con­di­ções de igual­dade a ser­viços e fun­ções so­ciais do Es­tado, da cul­tura à edu­cação, do pa­tri­mónio à saúde. A con­cre­tizar-se ple­na­mente, seria um rude golpe na igual­dade de acesso aos ser­viços pú­blicos. Hoje é mais fácil ima­ginar, por exemplo, em que si­tu­ação es­ta­ríamos se em vez de um Ser­viço Na­ci­onal de Saúde ti­vés­semos 300 sis­te­ma­zi­nhos con­ce­lhios a res­ponder de forma frag­men­tada à epi­demia.

O PCP e os seus eleitos não es­ti­veram so­zi­nhos nesta to­mada de po­sição. A mai­oria dos mu­ni­cí­pios re­cusou a trans­fe­rência de com­pe­tên­cias em di­versos sec­tores, so­bre­tudo na edu­cação e na saúde.

Com­po­nente de Abril
Afirmar e de­fender o poder local são com­po­nentes da luta mais geral em de­fesa do re­gime de­mo­crá­tico de Abril. Para ter mais força nessa luta é fun­da­mental ter mais eleitos da CDU nos ór­gãos au­tár­quicos e na As­sem­bleia da Re­pú­blica. Ter uma in­ter­venção con­fi­ante, de tra­balho amplo com eleitos de ou­tras forças po­lí­ticas, ar­gu­men­tando e ga­nhando-os para as nossas po­si­ções. Es­cla­recer e mo­bi­lizar os tra­ba­lha­dores das au­tar­quias, as po­pu­la­ções e as suas es­tru­turas para a de­fesa do poder local de­mo­crá­tico, con­quista de Abril.

O nosso pro­jecto au­tár­quico é uma ta­refa de todo o Par­tido, não apenas dos eleitos. Mo­vi­mento as­so­ci­a­tivo, tra­ba­lha­dores, in­ter­venção local do Par­tido – é neste tra­balho in­te­grado que a CDU faz a di­fe­rença, ga­ran­tindo a par­ti­ci­pação e o con­trolo po­pular de bens e ser­viços es­sen­ciais.

De­fender o poder local de­mo­crá­tico é de­fender a de­mo­cracia, é criar me­lhores con­di­ções para in­tervir e lutar pelos di­reitos dos tra­ba­lha­dores e das po­pu­la­ções, é de­fender o ser­viço pú­blico mu­ni­cipal.

 



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