Festa do Livro

Um sonho em cada folha

Inês Carvalho

Sá­bado, hora de al­moço, na Festa do Livro: à en­trada, um rapaz lê A China é ca­pi­ta­lista? (Rémy Her­rera e Zhi­ming Long); uma ado­les­cente en­contra As ondas (Vir­ginia Woolf); avó e filha sor­riem, porque a neta acabou de abrir a capa que diz NÃO ABRAS ESTE LIVRO (Andy Lee); al­guém pega n’ As ci­dades in­vi­sí­veis (Cal­vino); uma voz con­firma que «já têm o novo da Joana Bértholo»; um casal de re­for­mados per­gunta a quem repõe os li­vros: «Ca­ma­rada, o que há de no­vi­dades?».

Mais de 3500 tí­tulos, de mais de 30 edi­toras, de­zenas de ses­sões de au­tó­grafos.

No au­di­tório, as ses­sões co­me­çaram sexta-feira, com o lan­ça­mento de José Sa­ra­mago, um es­critor com o seu povo (Edi­ções Avante!), por Ma­nuel Ro­dri­gues, Mo­desto Na­varro e Rui Mota.

No de­bate sobre «O im­pacto in­ter­na­ci­onal da obra de Álvaro Cu­nhal», José de Oli­veira con­versou com os tra­du­tores Al­berto Lom­bardo (Itália) e Eric A. Gordon (EUA), a pro­pó­sito da re­cente tra­dução ita­liana de O Par­tido com Paredes de Vidro e da pu­bli­cação em curso, nos EUA, das obras com­pletas de Ma­nuel Tiago, «uma res­so­nância e di­fusão in­ter­na­ci­onal de que por vezes não temos cons­ci­ência».

Do­mingos Lobo con­versou sobre a sua obra com José An­tónio Gomes, também ele es­critor, que su­bli­nhou a «voz mul­ti­fa­ce­tada» do autor. Os seus li­vros mais re­centes, Faz frio neste lado da noite (Vega) — fi­na­lista do prémio Leya deste ano — e Co­ração mo­de­lado em la­ba­reda (Pá­gina a Pá­gina), deram o mote para co­nhecer me­lhor o es­critor que afirmou que «a li­te­ra­tura só faz sen­tido se re­flectir o seu tempo».

Os pro­cessos revo­lu­cionários: análise con­creta e pers­pec­ti­vação histórica, de Al­bano Nunes, é uma das no­vi­dades das Edi­ções Avante!. Uma se­lecção de ar­tigos e in­ter­ven­ções, que o autor afirmou ser pro­duto do tra­balho co­lec­tivo do PCP, que «nunca fugiu ao dever de ela­borar po­sição pró­pria». Fran­cisco Melo des­tacou a di­ver­si­dade de temas sem perder de vista que «as re­vo­lu­ções não se co­piam». Um livro que nos fala do so­ci­a­lismo como exi­gência e «da con­fi­ança na luta or­ga­ni­zada».

Nos 80 anos de Adriano Cor­reia de Oli­veira, os li­vros O peri­goso paci­fista e Adriano, um canto em forma de Abril – 80 Anos es­ti­veram em des­taque, numa sessão que reuniu Paulo Vaz de Car­valho, João Mas­ca­re­nhas, Ma­nuel Matos e Jorge Pires.

O Ne­o­li­be­ra­lismo não é um slogan (Tinta da China), de João Ro­dri­gues, teve apre­sen­tação de Vasco Car­doso, que su­bli­nhou a con­tri­buição para per­ceber o ne­o­li­be­ra­lismo en­quanto «sis­tema or­ga­ni­zado de ideias»; a de­núncia do papel da UE e do euro na sua ins­ti­tu­ci­o­na­li­zação, e a iden­ti­fi­cação da so­be­rania como ele­mento de­ci­sivo na cons­trução da al­ter­na­tiva. O ne­o­li­be­ra­lismo, frisou o autor, não é na­tural nem ine­vi­tável, «tem uma his­tória», que o livro ajuda a com­pre­ender.

A integração Eu­ro­peia: um pro­jecto im­pe­ri­a­lista (Edi­ções Avante!), de Avelãs Nunes, foi apre­sen­tado pelo autor como uma in­ves­ti­gação que re­vela uma «face oculta» deste pro­cesso, «que se ca­lhar é a mais au­tên­tica». Merkel foi lem­brada, nas suas de­cla­ra­ções sobre o Tra­tado Or­ça­mental: «pre­ci­samos de um sis­tema em que, em­bora mudem os go­vernos, não mudem as po­lí­ticas.» O mesmo é dizer, um sis­tema em que as re­gras con­fiscam a de­mo­cracia.

A apre­sen­tação de Energia e re­cursos na transição energética – so­be­rania, se­gu­rança, am­bi­ente, de­sen­vol­vi­mento (Edi­ções Avante!), que reúne as in­ter­ven­ções da ini­ci­a­tiva pro­mo­vida pelo PCP em Maio, não podia ser mais opor­tuna. Uma tran­sição ener­gé­tica su­bor­di­nada aos in­te­resses do grande ca­pital, e uma con­jun­tura mar­cada pelos im­pactos da guerra, nos preços e dis­po­ni­bi­li­dade de energia, es­ti­veram em aná­lise com Agos­tinho Lopes e De­mé­trio Alves.

Par­tindo de Ko­sovo: a In­coerência de Uma In­de­pendência Inédita (Co­libri) e Prosas em Tempos de Peste (Pá­gina a Pá­gina), Raul Cunha e José Goulão ana­li­saram a si­tu­ação in­ter­na­ci­onal, num de­bate con­du­zido por Jorge Ca­dima. Pe­rante uma pla­teia que se alargou muito para lá das ca­deiras do au­di­tório, foram abor­dadas a cen­sura pela co­mu­ni­cação so­cial, a subs­ti­tuição do di­reito in­ter­na­ci­onal por uma ordem in­ter­na­ci­onal ba­seada em re­gras, per­mi­tindo re­flectir porque é que, como afirmou Goulão, «hoje, a paz é uma ideia sub­ver­siva».

A es­crita está em luta, também, pela me­mória da luta. Como de­mons­trou José Pedro So­ares na apre­sen­tação do livro Os presos e as prisões po­lí­ticas em Angra do He­roísmo (URAP).

Para um ma­nual de acção política (Pá­gina a Pá­gina) chegou ao au­di­tório ir­rom­pendo em cân­ticos à volta de um grande pano ver­melho. O livro, apre­sen­tado por Cris­tina Pratas Cru­zeiro, in­tegra um pro­jecto com au­toria e co­or­de­nação de Pedro Pe­nilo, no qual es­crita, artes vi­suais, per­for­ma­ti­vi­dade, reu­niões, car­tazes e panos se ligam num apelo à acção co­lec­tiva or­ga­ni­zada.

De­senho e criação no tra­balho ce­no­grá­fico em Por­tugal (Pá­gina a Pá­gina), de Fi­lipa Malva, foi apre­sen­tado por Inês Leite. A partir de en­tre­vistas a 13 ce­nó­grafos re­co­nhe­cidos, a au­tora mostra a es­pe­ci­fi­ci­dade e pro­fun­di­dade de um ofício tantas vezes oculto e poucas vezes es­tu­dado, a que se juntam os de­se­nhos de cada en­tre­vis­tado: re­gistos quase ín­timos do pro­jecto e da me­mória da mais co­lec­tiva de todas as artes.

Como em Chão da Casa (Edi­ções Avante!), de João Monge, apre­sen­tado pelo autor e pelo ilus­trador, Jorge Pé-Curto, na Festa do Livro há «um sonho em cada folha».




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