É caso para questionar

Paulo Raimundo (Membro do Secretariado e da Comissão Política)

«As pessoas vão ter de se conformar que irão ter de viver pior.» Foi assim que um determinado comentador numa determinada rádio vaticinou o nosso destino colectivo. Esta é uma afirmação da família de uma outra, anterior, que hipocritamente ficou célebre noutros tempos: «ai o povo aguenta, aguenta». Mas a quem se dirigem estes conselhos de «gente ilustre» que, do alto das suas confortáveis poltronas, vivem na sua própria bolha?

A luta é factor de conquista e de confiança no futuro

Vamos ter de viver pior? Mais de metade dos trabalhadores (57%) recebe salários base iguais ou inferiores a 800 euros. Juntemos-lhes os que ganham até 1000 euros e passam a 72,5% – ou seja mais de 2,7 milhões de trabalhadores. Acrescente-se os milhares de reformados com pensões de miséria e os desempregados, adicionemos milhares de micro, pequenos e médios empresários, produtores e agricultores, agora misturemos isto tudo com a subida do preço das matérias-primas, do pão, do gás, dos combustíveis, do leite, dos vegetais, da carne, do peixe, da massa, do óleo, da fruta, da renda e da prestação da casa, da luz, das despesas escolares, e perguntemos: são estes que vão ter de se acostumar a viver pior?

Será que sobra sempre para os mesmos os esforços, os sacrifícios, os pagamentos, a vida pior?

«É a guerra», berram eles para nos convencer que a culpa é de outros. A guerra, a pandemia, a crise, tudo coisas com costas largas. Entretanto, há quem se vá safando e bem no meio de isto tudo.

Os lucros das 13 maiores empresas cotadas na bolsa nacional dispararam 73%, são mais 2,3 mil milhões de euros de lucros só no primeiro semestre deste ano.

Não haverá aqui uma «ligeira» contradição? Não estaremos perante um aumento especulativo e concertado de preços e de aproveitamento da situação? Então a guerra fica à porta, entre outras, da GALP, da EDP, da banca, da Sonae, da Jerónimo Martins?

Mas não lhes chega! É preciso continuar o roubo nos salários, nas reformas, nos direitos, garantir que os lucros continuam a crescer e não são beliscados. E, acima de tudo, manter bem vivo o pretexto da guerra e as sanções.

E se?...

E se 1% de todo o esforço em curso na instigação e escalada da guerra fosse investido na concentração de forças, acções e iniciativa no sentido da paz?

E se o caminho fosse o do aumento geral dos salários, das reformas e das pensões, assegurando a reposição e valorização do poder de compra dos trabalhadores e dos reformados?

E fixar preços máximos de bens essenciais, designadamente da energia, dos combustíveis e dos bens alimentares, incluindo a possibilidade de fixação de preços abaixo daqueles que são hoje praticados?

E os lucros extraordinários dos grupos económicos, porquê não tributá-los de forma a combater a razão funda do aumento dos preços?

E perante o vendaval dos custos com a habitação, porque não fixar em 0,43% a actualização das rendas em 2023, congelar as rendas do regime da renda apoiada e fixar um spread máximo, desde logo a praticar pela Caixa Geral de Depósitos?

Estes são caminhos que servem os trabalhadores e o povo, mas que não encaixam nos interesses dos donos dos 2,3 mil milhões de euros e de todos os que contribuem para o seu sucesso – veja-se como se concertaram PS, PSD, Chega e IL sobre as propostas de combate ao aumento do custo de vida apresentadas pelo PCP na Assembleia da República.

Mas para lá de todos os esforços e investimento propagandista, a realidade impõe-se. A luta contra o aumento do custo de vida, a acção reivindicativa nas empresas e locais de trabalho, a luta pelo aumento dos salários, a intervenção pelo aumento das pensões e reformas, as acções realizadas e que estão em preparação, demonstram que são cada vez mais aqueles que entendem o que está em causa.

A luta revela-se, uma vez mais, como factor determinante de conquista e, acima de tudo, de esperança e confiança no futuro. Vamos à luta!




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