Dois museus
No interior dos muros da Fortaleza de Peniche, onde desde há dias funciona o Museu Nacional Resistência e Liberdade (MNRL), existe um memorial aos presos políticos. Trata-se de uma enorme parede de ferro onde estão inscritos os nomes dos quase 2700 antifascistas que entre 1934 e 1974 ali estiveram encarcerados. No topo, o apelo do historiador António Borges Coelho (ele próprio um ex-preso, ali referido), que o inspirou: Nomeai um a um todos os nomes. Lutaram e resistiram. A liberdade guarda a sua memória nas muralhas desta fortaleza.
No museu – instalado em celas, corredores e salas da antiga prisão – denuncia-se o sofrimento dos que passaram pelos cárceres do fascismo (sim, foi fascismo): a violência, a arbitrariedade, as humilhações, os assassinatos, o regime de isolamento, os castigos, a utilização das crianças para tentar vergar os pais, a alimentação deficiente, a carência de cuidados médicos.
Na exposição, como no livro editado aquando da inauguração do museu, a 27 de Abril, evocando os 50 anos da libertação dos presos políticos, a tortura é lembrada na voz de quem a sofreu: «a dor, os sofrimentos eram tão grandes que gritava: Matem-me! Matem-me! Acabem comigo!»; «Foi realmente terrível o que me fizeram. Direi mesmo que passei dias num inferno impossível de descrever»; «Quando me vi ao espelho [após dias de espancamentos e tortura do sono] não me reconheci»; «Tenho sofrido o que um ser humano pode sofrer. Nem sei como tenho tido forças para tanto»; «Fiquei toda negra da cintura até à coxa da perna. O olho esquerdo inchou tanto que deixei de ver».
Mas o MNRL não se fica pela memória do que significou o fascismo para os presos políticos, antes revela o seu impacto mais geral: a vigilância e a censura, a fome, a miséria e o analfabetismo, o colonialismo e a guerra colonial – e, também, o seu papel como regime de «protecção e arbitragem» dos interesses das classes possidentes.
Os 50 anos da libertação dos presos políticos foram também celebrados em Cabo Verde, nas instalações do que foi o Campo de Concentração do Tarrafal, onde hoje funciona um museu: ali, em dois períodos, estiveram encarcerados cerca de 600 prisioneiros (portugueses, angolanos, guineenses e cabo-verdianos). Ficou conhecido por campo da morte lenta, tantas foram as vidas ali acabadas pelos espancamentos, os trabalhos forçados e as doenças.
Para lá da violência e da brutalidade fascistas, estes dois museus testemunham também a coragem e a dignidade de quem, resistindo, abriu caminho à Revolução. Na primeira linha estiveram sempre os comunistas: com outros, é certo, mas não com alguns dos que hoje tentam açambarcar o legado de Abril, para o qual nada contribuíram e cujas conquistas querem desmantelar.