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Manuel Gouveia

Na quinta-feira tivemos uma reunião com micro empresários de um determinado sector produtivo. Gente de trabalho e que trabalha. Gente que se sente carregada de impostos e de exigências formais (licença para operar, licenciamento de toda a maquinaria, restrições ambientais à actividade). Que sofre a concorrência de uma economia informal, clandestina, ilegal, que opera impunemente, ora porque o Estado está sem os meios e a vontade de actuar, ora porque a liberalização da economia criou uma selva onde se corre atrás «do que está a dar».

Gente que não consegue pagar a renda da casa, ou alugar casa, ou que os filhos aluguem casa. Que não acredita que amanhã tenha acesso a uma reforma digna e sente a necessidade de criar um pé de meia. Que não tem direito a subsídio de desemprego. Que cada vez tem menos ligação ao SNS, pois para os relativamente saudáveis o privado funciona hoje melhor que o público. Que nunca fez greve, até porque não pode, mas sabe, ou julga saber, que ontem não houve comboios por culpa de uma greve política.

Gente que se sente isolada, que procura vencer esse isolamento. Gente assustada. Gente que não tem a mínima noção da luta de classes em que está mergulhada, que está desenraizada e desorientada.

A profunda desorientação torna-os campo fértil para todas as demagogias. E elas espreitam a cada esquina: os subsídios que alimentam quem não quer trabalhar, os emigrantes como culpados de tudo e um pouco mais, o Estado que se alimenta do seu trabalho. E as televisões a mostrarem-lhes todos os dias o 4.º pastorinho, o que sofreu azia para nos salvar a todos, o que diz as mesmas verdades que são ditas nas tascas, no cabeleireiro, no face ou na bola.

Foi sempre através da instrumentalização do lúmpen e montado numa pequena-burguesia assustada que o fascismo apareceu. Para aumentar a exploração dos trabalhadores. E depositar o incremento de mais-valia aos pés do seu único amo: o grande capital.

(Assim que a Assembleia da República abrir, os agora três deputados do PCP irão dar expressão institucional às justas reivindicações concretas que foram expostas ao Partido por aqueles profissionais. Mas sem mecanicismos, e ouvindo tudo o que nos foi dito.)



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