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Censura

A TALHE DE FOICE • Henrique Custódio

Segundo um despacho assinado pelo ministro da Defesa, Paulo Portas, o gabinete deste ministro «deverá ser, previamente, informado sobre as solicitações feitas pelos órgãos de comunicação social aos serviços de Relações Públicas do Ministério, do EMGFA e dos ramos».

Segundo o Diário de Notícias, esta «orientação» foi comunicada ao CEFGFA, ao próprio secretário de Estado da Defesa e Antigos Combatentes, aos três chefes de Estado-Maior dos três ramos das FA, ao secretário-geral do Ministério, aos directores gerais ou equiparados, ao inspector-geral da Defesa, ao director do Instituto da Defesa Nacional, ao director da Polícia Judiciária Militar, ao director do SIEDM e ainda ao presidente do Conselho de Administração da EMPORDEF, bem como aos presidentes dos Conselhos de Administração das empresas que fazem parte desta holding.

Saliente-se que, em algumas das empresas aqui referidas, o Estado já cedeu a privados estrangeiros a maioria do capital (pelo que não se percebe como é que o ministro da Defesa se arroga o direito de lhes dar «orientações» em matéria de comunicação) e advirta-se que explicitamos tão fastidiosamente todos os organismos dependentes do ministro, para os quais ele enviou a sua «orientação», porque queremos deixar claro como Paulo Portas foi minucioso e completo neste esforço de «controlo comunicacional» em todos os serviços dependentes do ministério da Defesa, mesmo naqueles onde nunca se viu ou ouviu qualquer comentário público dos seus responsáveis sobre os serviços que tutelam, como é por exemplo o caso da Polícia Judiciária Militar ou o de qualquer director-geral ou equiparado que trabalhe sob a alçada do ministério da Defesa.

É claro que o próprio despacho do ministro dá uma explicação para esta nova obrigatoriedade de qualquer pedido de informação, por parte de órgãos de comunicação social, dever ser previamente comunicado ao gabinete ministerial, para que este decida o que fazer.

Esclarece o despacho, a este respeito, que «o Ministério da Defesa Nacional e as Forças Armadas deverão falar a uma só voz, o que implica informação e coordenação entre os diversos serviços».

Lindas palavras.

O Diário de Notícias, aliás, faz a sua tradução num título bastante sugestivo, que afirma simplesmente: Portas impõe «lei da rolha».

Na verdade, o que se esconde por trás desta «uma só voz» em que o Ministério da Defesa e as Forças Armadas «deverão falar» é uma inequívoca censura, determinada e imposta por Paulo Portas no Ministério da Defesa, o que pelos vistos demonstra que o actual titular desta pasta nada aprendeu com a história do próprio fascismo.

Recorde-se, para benefício do ministro, como o fascismo procurou infrutiferamente controlar e amordaçar as Forças Armadas, sobretudo durante os longos anos da guerra colonial, utilizando para isso a censura que vigorava em todos os sectores da vida nacional ou mesmo recorrendo às tentativas de infiltração da PIDE dentro da instituição.

Os resultados são bem conhecidos: numa madrugada de Abril, os militares saíram à rua e abriram o caminho ao derrube do regime, sem que a férrea censura imposta às Forças Armadas e ao País conseguisse impedir tanto a organização do golpe como a sua execução...

É claro que não estamos em maré de golpes militares.

Mas, segundo Paulo Portas, regressámos ao tempo da censura.

«Avante!» Nº 1490 - 20.Junho.2002