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Os adversários não existem?

ACTUAL • Leandro Martins

Dir-se-ia não poder haver nada de mais actual, embora já em rescaldo, do que falar daquilo que pareceu preocupar todos os portugueses. Referimo-nos, pois claro, ao Mundial de Futebol, onde as «nossas esperanças» foram por água abaixo. E começámos este texto com os devidos cuidados, que é como dizer, com as inevitáveis dúvidas. É que, embora não se pudesse abrir - nem hoje ainda isso é possível - qualquer canal de televisão nacional sem ter de gramar com o desgosto da derrota, duvidamos que todos os portugueses partilhem assim tão profunda e ruidosamente a amargura do falhanço ou partilhassem antes a esperança da vitória.

Apesar da actualidade - assim fabricada pelos media em moda - não vamos aqui escrever sobre os oitavos de final, nem sobre a derrota infligida pelos Estados Unidos nem sobre a vitória frente à Polónia nem sobre o último jogo em que a selecção defrontou a Coreia do Sul e aviou as malas de regresso à Pátria. Não escreveremos sobre a sobranceria do seleccionador, que assinalava ser fácil passar de bestas a bestiais depois de os «tugas» terem vencido os polacos; nem sobre as peripécias de uma agressão ao árbitro quando um jogador discordou de uma decisão; nem sobre um major que garante ao País não ter havido agressão porque conhece o futebolista «desde pequenino».

Do que falamos, por ser actual desde há um ror de tempo, é do mau perder e do orgulho que isso parece dar. Com desgosto - muito maior que a eventual amargura de uma derrota - assistimos em vários canais de TV a um espectáculo facínora e degradante. Afinal o mesmo que poderíamos ter visto em alguns outros países da mesma grande família ocidental e cristã: na Rússia, que a derrocada do socialismo transportou miraculosamente para o Ocidente «livre», houve revolta e vandalismo; na França, copioso choro e insultos aos antes adorados jogadores. Aqui, o palavrão impôs-se, alardeado pelos órgãos de comunicação. Porque perderam, já não prestam. Que se demitam. Passando estes «valores» tão abundantemente promovidos no «desporto», para o campo da «política», vêm à memória aqueles políticos de trazer por casa que, também eles, excomungam as direcções que perdem nas eleições. Como se, no jogo e na política, não houvesse que ter em conta os adversários. E os inimigos.

«Avante!» Nº 1490 - 20.Junho.2002