Os Açores e os cabos submarinos «telegráficos» transatlânticos

Francisco Silva

Que os Açores, e em par­ti­cular a ci­dade da Horta na ilha do Faial, cons­ti­tuíram du­rante uma boa parte dos sé­culos XIX e XX uma lo­ca­li­zação es­tra­té­gica para a im­plan­tação das te­le­co­mu­ni­ca­ções a nível mun­dial é uma re­a­li­dade co­nhe­cida. Desde o es­ta­be­le­ci­mento da pri­meira amar­ração de um cabo sub­ma­rino em 1893, e mesmo du­rante as quatro dé­cadas pre­ce­dentes de pro­postas e con­tra­pro­postas de li­ga­ções te­le­grá­ficas via Açores, até 1969, quando foi en­cer­rada a úl­tima em­presa de cabo sub­ma­rinos na Horta. Es­tava-se na época da cons­trução e ex­plo­ração dos cabos sub­ma­rinos de­di­cados à te­le­grafia.

Um «tempo» que não foi pro­duto do acaso, um «tempo» que foi antes a con­sequência de um sin­gular cru­za­mento de con­di­ções ge­o­grá­ficas, his­tó­rico - es­tra­té­gicas, eco­nó­micas, ci­en­tí­fico-tec­no­ló­gicas.

A de­cisão de amarrar cabos sub­ma­rinos na Horta na se­gunda me­tade do sé­culo XIX era então um acon­te­ci­mento imi­nente uma vez os cabos sub­ma­rinos in­ven­tados - com as ca­rac­te­rís­ticas téc­nicas com que vi­eram à luz do dia e foram evo­luindo - e aten­dendo à sua lo­ca­li­zação ge­o­grá­fica num Atlân­tico Norte onde se si­tuava o Reino Unido, a po­tência do­mi­nante da al­tura, e onde a emer­gente po­tência que eram então os Es­tados Unidos la­deava o mesmo Atlân­tico Norte a Oeste.

As te­le­co­mu­ni­ca­ções ti­nham tido o seu início em 1837 com a te­le­grafia eléc­trica, menos de uma dé­cada e meia antes do co­meço da ins­ta­lação dos pri­meiros cabos sub­ma­rinos te­le­grá­ficos - o pri­meiro cabo sub­ma­rino co­mer­cial foi ins­ta­lado em 1850 com vista ao es­ta­be­le­ci­mento da li­gação te­le­grá­fica entre os dois lados do Canal da Mancha. Com o em­prego da te­le­grafia eléc­trica co­meçou, por­tanto, uma nova época: a época das co­mu­ni­ca­ções eléc­tricas à dis­tância - para lá da linha de vista - per­mi­tindo uma ve­lo­ci­dade de trans­missão dos si­nais per­ce­bida como que sendo «in­fi­nita» - ou, dito de outro modo, de um ex­tremo ao outro da li­gação a trans­fe­rência dos si­nais passou a ser per­ce­bida como se fosse ins­tan­tânea.

Aliás, só bas­tante mais tarde, pela se­gunda me­tade do sé­culo XX, com a in­clusão de troços de trans­missão ba­se­ados na tec­no­logia de sa­té­lites de co­mu­ni­ca­ções, é que os utentes de li­ga­ções te­le­fó­nicas iriam dar-se conta da não ins­tan­ta­nei­dade entre a emissão e re­cepção dos si­nais trans­mi­tidos, através da per­cepção do eco nas co­mu­ni­ca­ções - e isto a acon­tecer de­vido às dis­tân­cias muito grandes per­cor­ridas pelos si­nais de te­le­co­mu­ni­ca­ções na ida e volta da/​para Terra aos sa­té­lites de co­mu­ni­ca­ções.

En­tre­tanto, e pouco após a in­venção da te­le­grafia eléc­trica, e ainda antes da en­trada ao ser­viço dos pri­meiros cabos sub­ma­rinos para a trans­missão de si­nais te­le­grá­ficos, as­sis­tira-se à in­venção do te­le­fone. Te­le­fone que, até à in­tro­dução de dis­po­si­tivos elec­tró­nicos nos pri­meiros tempos do sé­culo XX e, por­tanto, até à pos­si­bi­li­dade de uti­li­zação de am­pli­fi­ca­dores para os si­nais te­le­fó­nicos, ficou li­mi­tado na sua uti­li­zação a li­ga­ções para dis­tân­cias re­la­ti­va­mente curtas entre os seus utentes.

Na ver­dade, du­rante bas­tante tempo, e em par­ti­cular pelo sé­culo XIX adi­ante e pelas pri­meiras dé­cadas dentro do sé­culo XX, não existia outro meio de te­le­co­mu­ni­ca­ções para as grandes dis­tân­cias para além da te­le­grafia eléc­trica - com efeito, os si­nais te­le­fó­nicos, para além de, pela sua pró­pria na­tu­reza, serem emi­tidos com uma po­tência re­la­ti­va­mente baixa, são bas­tante exi­gentes em termos de fi­de­li­dade para serem re­co­nhe­cidos - por­tanto são muito sen­sí­veis aos en­fra­que­ci­mentos e dis­tor­ções pro­vo­cados nos si­nais pelos cir­cuitos na trans­missão. O que não era o caso dos si­nais te­le­grá­ficos que po­diam ser emi­tidos com ten­sões eléc­tricas ele­vadas e serem re­co­nhe­cidos no ex­tremo da re­cepção, mesmo muito dis­tor­cidos e en­fra­que­cidos du­rante a sua trans­missão... aliás, como si­nais di­gi­tais que são, aos si­nais te­le­grá­ficos, para serem de­tec­tados cor­rec­ta­mente, bas­tava que o re­ceptor re­co­nhe­cesse um de dois es­tados de tensão eléc­trica - a sua pre­sença ou a sua au­sência!

Por­tanto, numa pri­meira fase, a do sé­culo XIX, a ex­plo­ração a fundo das pos­si­bi­li­dades iné­ditas ofe­re­cidas pelas te­le­co­mu­ni­ca­ções para a trans­fe­rência de si­nais pra­ti­ca­mente ins­tan­tânea entre quais­quer dois pontos onde a Hu­ma­ni­dade es­ti­vesse im­plan­tada, no­me­a­da­mente co­brindo longas e muito longas dis­tân­cias, só podia ser efec­tuada por in­ter­médio de li­ga­ções te­le­grá­ficas.

E os Açores, ao en­cur­tarem a dis­tância Eu­ropa - EUA, eram uma al­ter­na­tivas para a «re­pe­tição» em terra firme dos si­nais te­le­grá­ficos, a outra al­ter­na­tiva para além das vias do Norte, no­me­a­da­mente da Ir­landa à Terra Nova, terras mais à mão da Coroa Bri­tâ­nica... Coisas desses tempos.



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