Construir o futuro
Por estes dias um camarada enviou-me o «Manifesto em Defesa da Cultura», documento subscrito por mais de cinquenta pessoas ligadas às mais diversas áreas da Cultura. Para além da análise justa sobre a forma como o actual e os anteriores governos maltratam a cultura, o texto é a expressão do crescimento da luta contra uma política de desastre e de ruína nacionais; um compromisso de acção que mais e mais portugueses de diferentes sectores assumem. Permitam-me que traga a este artigo uma frase nele incluída, cujo conteúdo é transversal e de enorme relevância tendo em conta a situação do nosso País e da UE: a «”austeridade” na cultura não destrói só o que existe, destrói o que fica impedido de existir». O programa de agressão ao País e ao nosso povo e a nova investida da UE contra a Constituição da República Portuguesa não destroem apenas – e já não seria pouco – a economia, os direitos e conquistas sociais, alcançados pelos trabalhadores e pelos povos através de uma intensa luta de classes no plano nacional e internacional, oprimirão o potencial de desenvolvimento de um país e de um povo em todos os sectores. A troika nacional, subserviente à troika estrangeira, impede gravemente o desenvolvimento de soluções próprias – ou de interesse mútuo com outros países e povos – para os problemas nacionais, ligadas às aspirações e anseios do povo português. Isto num País onde se acentuam os défices produtivos na agricultura, na indústria e nos serviços; onde o desemprego é elevado e onde se continua a despedir diariamente dezenas – ou centenas – de trabalhadores. Um País onde os estudantes continuam a abandonar a Escola ou Universidade por falta de condições sócio-económicas, e onde estas são cada vez mais elitistas e com programas que oprimem o potencial criativo, ligando-o às exigências do patronato e não ao estímulo e desenvolvimento das capacidades das pessoas e do País. Um país onde uns – os banqueiros – têm dívidas e outros – os trabalhadores – estão endividados e subjugados na sua existência ao seu pagamento, quando as dos bancos não só são asseguradas pelo Governo como lhe são dadas garantias de que as futuras também o serão.
Para onde caminha a existência de um país onde a orientação é encerrar empresas, escolas, hospitais, serviços de transporte? Para onde caminha a existência de um país cuja soberania de decisão sobre o seu presente e o seu futuro – ainda que apenas no plano formal – deixa de ser do povo português – como estabelece a Constituição da República Portuguesa –, passando para o capitalismo internacional que tem na UE e em actuais e anteriores governos portugueses os seus instrumentos? Para onde caminha a existência de um país cujo Governo assina um «acordo internacional» no âmbito da UE – sem mandato e comprometendo-se com a sua concretização – que, a ser implementado, significará que é a UE e os poderes que a dominam – cada vez mais hegemonizados pela Alemanha – que decidirão sobre a construção de novos hospitais ou escolas, caminhos-de-ferro ou pontes, sobre o investimento em cultura ou se a receita fiscal – seja ela qual for num contexto de destruição de forças produtivas – deve servir ou não para pagar os salários dos funcionários públicos – os que ainda restarem – e as pensões? E que existência para todos nós, quando todas estas decisões são contrárias e comprometem seriamente o nosso presente e o nosso futuro?
O que fica impedido de existir, é o muito que este sistema destrói e o que um outro sistema económico e social, livre dos grilhões da UE e da subserviência da troika nacional, poderia construir; o muito que um povo livre da exploração do capitalismo, comprometido consigo mesmo e consciente da sua liberdade e da sua cultura, do seu território, das lutas heróicas da sua história colectiva e dos valores e princípios que elas tornaram nossos; um país aberto fraternalmente a relações de interesse mútuo com outros povos e países. Um país, uma Europa e um mundo ligados dialecticamente; lugares onde os mais fortes (países ou pessoas) ajudariam os mais fracos (países ou pessoas), porque, como dizia um homem que muito fez pela Cultura, Bento Jesus Caraça, «o coração do homem é grande e nele cabe bem o amor da sua pátria e o da humanidade». O que não conseguem impedir de existir é a dignidade humana, a atitude revolucionária de muitos patriotas em tempo de redobrados perigos para o povo e para o País. «As ilusões nunca são perdidas. Elas significam o que há de melhor na vida dos homens e dos povos» (Bento Jesus Caraça).