Rimar Brasil com Abril

Gustavo Carneiro

A presença do Presidente do Brasil na Assembleia da República, no próximo dia 25, suscitou reacções histéricas de PSD, Chega, Iniciativa Liberal, CDS (lembram-se dele?) e dos seus porta-vozes oficiais ou oficiosos nos órgãos de comunicação social.

Alguns falam da «ética republicana» e da «corrupção», fazendo por esquecer as águas pantanosas em que eles próprios navegam e fingindo ignorar que as acusações que pendiam sobre Lula da Silva eram infundadas e que é hoje mais do que evidente o carácter político do processo que o levou a passar 580 dias numa prisão em Curitiba.

Há também quem veja no chefe de Estado brasileiro uma presença incómoda, por ser demasiado «ideológica». Fica por saber a que se referem: à retirada do país do mapa da fome, reconhecida pelas Nações Unidas? À drástica redução das desigualdades? À criação de universidades e à acelerada democratização do ensino? Ao contributo decisivo para o avanço dos processos de integração latino-americanos livres da tutela dos EUA?

Condenam agora outros o «putinismo» do Presidente do Brasil, por mais que tenha criticado a intervenção militar russa na Ucrânia. Simplesmente não se ficou por aí: denunciou o papel dos EUA e da UE no alimentar da guerra, expressou a sua determinação em contribuir para uma solução negociada, defendeu relações justas e iguais entre todos os Estados, qualquer que seja a sua dimensão, poderio económico ou militar e relações externas. E isto, como bem sabemos por cá, é intolerável para alguns.

Todas estas críticas, se dizem pouco ou nada sobre aquele a quem se dirigem, revelam demasiado sobre quem as profere. Entre os que agora protestam contra tamanha «ofensa» ao 25 de Abril estão aqueles que rejeitam a Revolução e as suas conquistas e se identificam com o passado fascista de exploração, opressão e obscurantismo, que assumem como projecto para o País. E também os que, garantindo ser herdeiros de Abril, referem-se a um «Abril» – ultracapitalista, liberal, reduzido às liberdades formais – que nunca existiu. Ou aqueles que insistem na tese da «evolução» (assim, sem érre), como se a transição para a democracia, como agora se diz, tivesse sido em Portugal outra coisa que não uma Revolução profunda que o transformou por completo.

Mas outros há que até poderão aplaudir o discurso de Lula da Silva, num ritual tão vazio de significado como os cravos que ostentarão nas lapelas. E que dali saídos continuarão a aprofundar a pobreza e as desigualdades e a amarrar Portugal a aventuras belicistas alheias.

Entretanto, em todo o País, mostrar-se-á que Brasil rima hoje com Abril: é paz, cooperação, progresso, justiça social.

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Correcção: no último A Talhe de Foice refere-se que a carta aberta pela paz Frieden Schaffen, dirigida às autoridades alemãs, foi assinada por Willy Brandt, já falecido. Quem a assinou foi Peter Brandt, historiador e filho do antigo chanceler.




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