O ecrã dividido

Margarida Botelho

As comemorações populares do 25 de Abril tiveram uma dimensão espantosa: pelo número de pessoas, pela impressionante presença de juventude, pela forma participativa, consciente e feliz com que se gritaram palavras de ordem, empunharam cartazes, se assumiu o que se quer para Portugal. Foi assim em todo o País. Os valores de Abril têm raízes muito fundas no nosso povo, são projecto de democracia, liberdade, emancipação e soberania, rumo de desenvolvimento e futuro em tempos tão sombrios.

Houve, no entanto, quem estivesse em casa a ver na televisão a manifestação de Lisboa e ficasse aflito, a ligar para quem lá estava, a avisar dos confrontos e a pedir cuidado. Isto porque, ao contrário do que quem lá estava viveu, as televisões passaram muito tempo em directos dos acontecimentos em torno da acção provocatória do grupo de Mário Machado, com o ecrã dividido, metade para a manifestação do 25 de Abril e outra metade para essa gente.

Compreendem-se as emoções que os jornalistas no local sentem, mas não são eles que decidem a emissão, nem o que é notícia, nem o que continua em directo, mesmo quando não está a acontecer nada. Compreende-se pior que horas depois, a frio, nos noticiários da noite, se mantenha essa opção e se centrem nela os comentários infindáveis nos canais de cabo. Ou que a propósito disto se pergunte se a democracia falhou, como fez a jornalista da RTP3 na entrevista ao Secretário-Geral do PCP no dia seguinte.

A fronteira entre dar a notícia sobre um acontecimento e passar a promovê-lo é muitas vezes ténue. Pôr em pé de igualdade a acção provocatória de um pequeno grupo delinquente e a gigantesca massa humana que descia a Avenida da Liberdade passa essa fronteira. Várias vezes e de várias maneiras.



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