A verdade, a mentira e o coxo
Sendo facto testado que a mentira tem perna curta, não é menor essa compulsão de alguns que se repetida mil vezes passaria a verdade. Convicção esta que leva a que a ela se recorra com a ligeireza que por aí campeia, vendida sob embalagens diversas e registos vários, sejam os que sem cuidar das aparências nos aparecem embrulhados num primarismo grotesco ou ornados de considerações de perfil académico.
Entre muitas outras, aí está, a propósito dos 50 anos sobre as eleições para a Constituinte, a recorrente mentira sobre a alegada oposição do PCP à sua realização. Matéria em torno da qual muitos dos inconformados com Abril chafurdam recorrentemente, seja a partir da grosseira manipulação, de há quase meio século, de uma jornalista-agente ciática italiana, seja de repetidas deturpações que mais domesticamente por cá vegetam.
Mais que não seja para memória futura, útil para quem a não tem, aqui se repõem a fita de acontecimentos e factos que não só desmentem o que deve ser desmentido como põe em evidência o que à sombra da mentira se quer manter escondido: o PCP defendeu e reafirmou reiteradamente a importância da realização de eleições livres, como se comprova pelas conclusões do 7.º congresso, realizado em Outubro de 1974; o PCP denunciou e opôs-se aos que ensaiaram em Julho desse ano um golpe (golpe Palma Carlos) para impedir as eleições para a Constituinte e instaurar uma ditadura pessoal de Spínola. Em boa verdade, o que ainda está por explicar é a atitude dos que, como o PPD, cooperaram com Palma Carlos nesse objectivo de não realização de eleições. Como Álvaro Cunhal fez questão de sublinhar em Março de 1975, «em matéria de golpes e adiamento de eleições não somos nós os especialistas». Num texto dedicado às eleições de 1975, publicado há dias, António Barreto, destacado promotor da ofensiva contra a Reforma Agrária sob as cores políticas do PS, talvez por inadvertida imprudência expôs aquele reaccionarismo que, mais ou menos ardilosamente, procura disfarçar. Para Barreto, que não se conforma com o que a Constituição da República de 1976 consagra de mais avançado e progressista, «é má, muito má».
Há momentos em que o embalo «discursivo deita por terra resmas de elucubradas construções semânticas para dar um certo ar de democrata, fazendo assim jus ao ditado ”mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo”.