Revisões e combates
Ainda os votos estavam a ser contados e já a Iniciativa Liberal e o Chega anunciavam a intenção de abrir um processo de revisão constitucional. Exultando com a existência de dois terços de deputados à direita, tanto quanto basta para mexer na Lei Fundamental, queixam-se de um excessivo peso de “ideologia” no texto constitucional e clamam por “neutralidade”.
Depois do agora líder demissionário da IL ter defendido, em audiência com o Presidente da República, a alteração do que considera ser o «papel central do Estado na economia», um dos seus possíveis sucessores, o deputado Mário Amorim Lopes, num artigo publicado a 30 de Maio no Sol, citou outros pontos que pretende ver apagados – a começar pelo Preâmbulo e as referências que nele se faz ao objectivo, proclamado pela Assembleia Constituinte, de se «abrir caminho para uma sociedade socialista». Destaca, de entre os artigos a rever: o 7.º, no que respeita à «dissolução dos blocos político-militares»; o 80.º, que aponta à «subordinação do poder económico ao poder político democrático»; e o 81.º, que se propõe a «eliminar os latifúndios». Quanto à Saúde e à Educação, queixa-se de que a Constituição «parece impor (…) a prestação pública».
Já o Chega mostrou ao que vem numa carta enviada por André Ventura a Luís Montenegro e ao então líder da IL, Rui Rocha. Também ele propõe, para lá da prisão perpétua e de outras penas degradantes e desumanas, o que chama de «limpeza ideológica» da Constituição, desde logo no Preâmbulo, e a «retirada do peso excessivo do Estado».
Nada disto surpreende: sempre se soube que IL e Chega pretendiam escancarar ainda mais as portas ao domínio dos donos-disto-tudo sobre o País, fragilizar ao máximo direitos laborais e sociais, desmantelar e privatizar serviços públicos, alinhar sem pudores com a política de guerra do imperialismo. Mas não estão sozinhos. A AD, entre afirmações de que a revisão constitucional não é uma “prioridade no momento” e a demonstração da sua disponibilidade para a negociar “à direita e à esquerda”, prepara-se para retomar projectos que as eleições atrasaram e que não se distinguem do que IL e Chega propõem: as PPP na Saúde, a privatização da TAP, as alterações para pior das leis laborais, a entrega da Segurança Social aos fundos de pensões privados, o aumento das despesas militares exigido pela NATO.
Entretanto, o PS lambe feridas e assume-se como “garante de estabilidade” enquanto o Livre “apela” à AD para que não negoceie à direita. Se é certo que a Constituição só será alterada se e naquilo que a AD quiser, também o é que a luta pelo seu cumprimento se faz desde já, exigindo a concretização dos direitos que ela consagra: daí o PCP apresentar uma moção de rejeição ao Programa de Governo e convocar para dia 26 uma marcha em Lisboa e no Porto.