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Tiques perigosos

• Manuel Rodrigues


A CNA - Confederação Nacional da Agricultura, a ALDA - Associação da
Lavoura do Distrito de Aveiro, a BALFLORA - Secretariado dos Baldios do
Distrito de Viseu, a ADACO - Associação de Agricultores do Distrito de
Coimbra, levaram a cabo mais um protesto da lavoura, no passado dia 7
de Julho, em Aveiro, aproveitando o acto oficial de abertura da
AGROVOUGA.

Uma luta todos os anos repetida desde 1992, a mostrar a linha de continuidade estrutural dos problemas que afligem a agricultura e os agricultores desta região e a exigência (justíssima, aliás) de uma outra Política Agrícola que defenda, valorize e promova a agricultura familiar.
O objectivo era confrontar o senhor Ministro da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas (convidado para inaugurar aquele certame) com os muitos protestos e reclamações dos agricultores desta região:

- Pelo aumento das Quotas Leiteiras;
- Pelo aumento do preço do leite na produção;
- Pelo apoio do Governo à recolha organizada do leite;
- Pela baixa dos preços dos factores de produção;
- Por mais e melhor apoio sanitário aos Agricultores;
- Por mais apoios públicos para os baldios;
- Por uma OCM - Organização Comum de Mercado para a batata;
- Por um controlo eficaz e pela contenção das importações desnecessárias;
- Pela rápida e mais justa distribuição das ajudas da PAC;
- Etc.

Justas e oportunas reclamações para quem se vê a braços com uma gigantesca e ruinosa crise na agricultura, a motivar a presença neste protesto de mais de cento e cinquenta tractores e de mais de seiscentos agricultores da região, que desfilaram durante uma hora pelas ruas de Aveiro, concentrando-se, de seguida, às portas da AGROVOUGA.

Só que o senhor Ministro da Agricultura não gosta de protestos.
Aborrecem-no. Irritam-no. Mexem profundamente com a sua personalidade.
E, tão profundamente, que sua excelência achou por bem não comparecer, naquele dia, em Aveiro, para não se confrontar (olhos nos olhos, como ali era reclamado por um dirigente da lavoura) com aqueles atrevidos «pés descalços». Declinou, por isso, no representante do Governo no distrito, o convite para inaugurar aquela Feira e pôs-se ao fresco, ou seja, a caminho de paragens mais tranquilas onde, quiçá, os agricultores fossem mais reconhecedores e reconhecidos pela sua brilhantíssima acção em defesa da agricultura familiar.

O discurso anti-CNA

Passados três dias, sua excelência foi a Vouzela para homologar as primeiras candidaturas ao regime excepcional de segurança social para os pequenos agricultores (uma velha reclamação da CNA, só conquistada pela
luta dos agricultores) e, porque o momento era suficientemente mediático, e, no seu ministerial entender, aí sim, se achava no meio de gente civilizada (reconhecida e reconhecedora da sua inquestionável acção governativa), depois de se ter certificado cuidadosamente de que, por ali, não se vislumbrava nenhuma bélica marcha de tractores (terríveis e mil vezes mortíferas armas blindadas) nem de furibundos e subversivos guerreiros (disfarçados de ingénuos camponeses), aí sim, entendeu sua excelência estarem reunidas as condições para o emblemático «diálogo» que, há três dias, andava ensaiando.
E, referindo-se à CNA e ao desfile-concentração do dia sete, proclamou, alto e bom som para quem o quis ouvir, que a Confederação Nacional da Agricultura «é apenas o braço armado dum partido político que pauta a sua actuação quotidiana pela tentativa de desgaste permanente do Governo, independentemente das motivações, e ainda recentemente, como aliás faz todos os anos para tentar criar insegurança e desestabilização política, fez uma manifestação, precisamente reclamando medidas para a pequena agricultura. Ora, se há algum governo que as tomou foi este governo».
Feito o (provocatório) desabafo, terá sua excelência respirado de alívio a pensar, como nos idos tempos do fascismo outros ministros tantas vezes o fizeram, que os agricultores portugueses (designadamente aqueles que participaram no protesto) terão dado conta do logro em que caíram, ao serem usados como carne para canhão por esse sinistro braço armado de um não menos sinistro partido político e, vai daí, não há-de tardar o tempo em que, arrenegando essas abjectas forças do mal, promovam a desejada manifestação de desagravo.
Se não alterar esta Política Agrícola (e não dá mostras de querer fazê-lo) há-de o senhor ministro da Agricultura dar conta, mais cedo do que pensa, que os agricultores portugueses, designadamente estes pequenos agricultores que, todos os dias, a sua PAC imola no altar do deus-capital, marcharão de novo em defesa da agricultura, mandando às
urtigas o bafiento discurso que sua excelência, tão diligentemente, foi buscar às profundezas da memória..

«Avante!» Nº 1444 - 02.Agosto.2001