A mafia cubana de Miami tentou, sem
sucesso, provocar uma crise entre Cuba e o México
Embaixada mexicana em Havana
invadida por marginais
Miguel Urbano Rodrigues
Uma vintena de cubanos invadiu a semana passada a embaixada do México em Havana. Eram quase todos delinquentes, e 13 tinham com antecedentes penais.
Televisões e jornais de todo o mundo transformaram em acontecimento político e mediático a irrupção pela força na embaixada do México em Havana de uma vintena de cidadãos cubanos. Influentes órgãos de comunicação social previram que o incidente provocaria uma crise nas relações entre Cuba e o México. Tal não aconteceu.
A estória tem antecedentes complexos.
A ambiguidade oratória do ministro das Relações Exteriores do México, Jorge Castañeda, e uma frase por ele pronunciada semanas atrás após a visita do presidente Fox a Havana foram utilizadas pela mafia cubana de Miami para organizar uma ambiciosa provocação cujas consequências são por ora imprevisíveis. Mas é significativo que a oposição ao Governo de Fox tenha começado a exigir a demissão de Jorge Castañeda.
Eis em síntese os factos. Ao inaugurar em Miami, no dia 26 e Fevereiro pp, o Instituto Cultural do México naquela cidade da Florida, Castañeda afirmou que aquela casa era de «todos os mexicanos, de todos os latino-americanos e, naturalmente, de todos os cubano-americanos». O ministro não ficou por aí. Achou útil acrescentar que «as portas da Embaixada do México em Havana estão abertas a todos os cidadãos cubanos, do mesmo modo que o está o México».
Uma atitude deliberada
Jorge Castañeda não é uma personalidade comum. Professor na Universidade Autónoma do México, a sua obra como cientista social deu-lhe prestígio internacional, antes de iniciar um percurso que o levou à social democracia e fez dele o responsável pelas relações internacionais no governo de um presidente eleito pela direita tradicional.
A sua biografia do Che é, na minha opinião, a mais venenosa de quantas apareceram até hoje sobre o inesquecível revolucionário argentino-cubano.
Castañeda é um político que conhece bem, como escritor, o significado e o peso das palavras. Não lhe pareceu suficiente falar das «portas abertas» da Embaixada do México em Havana para todos «os cidadãos cubanos». Na aparência essas palavras são insusceptíveis de qualquer reparo crítico, mas Castañeda não é um espírito ingénuo. Sabia que elas provocariam euforia nos meios contra-revolucionários e seriam imediatamente interpretadas de uma maneira viciosa pela mafia de Miami que o escutava. Daí a gravidade da atitude por ele assumida ao repetir, a despropósito, uma afirmação ambígua que proferira recentemente no seu país ao regressar da visita oficial a Cuba. Foram estas textualmente as suas palavras: «Deixaram de existir as relações do México com a Revolução Cubana e começaram as relações diplomáticas com a República de Cuba».
Para se avaliar o desagrado com que a opinião pública mexicana as recebeu, é oportuno recordar que as relações entre os dois países são apontadas como um caso excepcional pela sua cordialidade permanente no diálogo entre os povos do Continente. Foi do México que partiram os expedicionários do «Granma» em Novembro de 1956. O México foi o único país da América Latina que se recusou a cortar as relações diplomáticas com Cuba, ignorando a decisão da OEA, imposta por Washington. A linha aérea mexicana foi a única no Hemisfério que manteve durante décadas os seus voos para Havana.
De Miami a Havana
Horas depois da visita de Castañeda a Miami, a emissora pirata auto intitulada Radio Martí deu início a uma manobra de objectivos inconfessáveis.
A referida Rádio, ao repetir exaustivamente ao longo do dia 27 as palavras de Castañeda, interpretou-as viciosamente, sugerindo que ocorrera um rompimento de relações diplomáticas entre o México e Cuba e que as portas da Embaixada estavam entretanto abertas a quem ali quisesse refugiar-se.
A segunda fase da operação teve por cenário Havana. Ao anoitecer, um punhado de delinquentes sequestrou um autocarro no centro da cidade, expulsando os passageiros, e minutos depois o veículo, com a sua carga de mercenários, penetrava pela força no jardim da embaixada do México, arrombando o portão. Somente a intervenção da Polícia impediu que outro grupo, de umas 150 pessoas, que se concentrara nas ruas próximas, invadisse também a sede da missão diplomática.
Cabe recordar que, no início do chamado Período Especial, bandos de aventureiros e marginais se introduziram ilegalmente em embaixadas de países europeus, solicitando asilo político. O governo Cubano mostrou-se inflexível, assumindo como posição de princípio a recusa de saída do país a qualquer indivíduo que recorresse a meios violentos para entrar em missões diplomáticas estrangeiras.
Este caso, aparentemente similar, difere dos anteriores não apenas por envolver as relações tradicionalmente muito amistosas entre Cuba e o México como pelo facto de todos os protagonistas serem delinquentes ou marginais e por ocorrer a poucas semanas da sessão em Genebra da Comissão dos Direitos Humanos da ONU. Ora, mais uma vez, os EUA, utilizando os serviços de um intermediário, tentarão obter ali uma condenação de Cuba. No ano passado, esse papel de porta voz de Washington foi assumido pela República Checa. As pressões então realizadas e a compra de votos permitiram a aprovação tangencial da resolução anti-cubana. Este ano falou-se da Argentina, mas o quadro pode mudar.
Rotundo fracasso
Numa nota oficial, serena pelo tom e o conteúdo, o Governo cubano desmontou toda a manobra.
O governo de Fox enviou a Havana um subsecretário de Estado para resolver o incidente. O grupo de marginais, convidado a abandonar a embaixada, recusou-se, contudo, a sair. Perante a situação criada, a chancelaria mexicana solicitou, então, ao governo cubano que, sem recorrer a meios violentos, procedesse à expulsão da embaixada dos delinquentes que nela haviam penetrado pela violência, agindo como criminosos comuns.
Na madrugada do dia 1 de Março uma força especial, desarmada, cumpriu essa tarefa, desalojando o bando da sede da missão diplomática.
A mafia de Miami não esconde a sua frustração. A ambiciosa
operação contra-revolucionária montada com a participação
de delinquentes do submundo de Havana durou pouco mais de 24 horas e o seu desfecho
foi um rotundo fracasso.
«Avante!» Nº 1475 - 7.Março.2002