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Carlos Carvalhas
inaugura biblioteca em Castelo Branco
e restauro de pinturas do século XVII na Covilhã
Dia grande para a Cultura
no distrito de Castelo Branco

No dia 30 de Abril, pelas 15 horas, o secretário-geral do PCP fez a entrega de uma biblioteca ao Instituto Politécnico de Castelo Branco (IPCB). À noite, na Covilhã, Carlos Carvalhas, inaugurou, no Centro de Trabalho do PCP, o restauro das pinturas do século XVII do Salão dos Continentes.

O secretário-geral do PCP participou no acto de doação, em regime de comodato, de uma biblioteca de 13 mil volumes, deixada em herança ao Partido Comunista Português por Vasco Silva, professor, homem de cultura, democrata e anti-fascista, afastado do ensino oficial durante os anos 60 e preso no Forte de Peniche em 1964.

«Vasco Silva foi um homem profundamente ligado à cultura e incentivou, promoveu e realizou actos culturais sobre literatura, música e cinema, antes e depois do 25 de Abril de 1974», salientou Carlos Vale, membro da Direcção Regional de Castelo Branco do PCP. O companheiro de luta de Vasco Silva, lembrou que este professor e democrata foi o primeiro Governador Civil do distrito, logo após o 25 de Abril de 1974. Recordou também que Vasco Silva não usou o cargo público para resolver a sua situação, resultante do afastamento do ensino oficial pelo fascismo, desde os anos 60. Já depois dos 60 anos, fez a profissionalização, como qualquer recém licenciado, no Bombarral, durante dois anos.

No início da tarde do dia 30 de Abril, amigos e camaradas de luta de Vasco Silva, encheram por completo o auditório principal da Escola Superior de Educação de C. Branco, integrada no IPCB. Lurdes Silva, viúva do homenageado e sua companheira de vida e luta, agradeceu ao PCP e ao IPCB a solução encontrada para a biblioteca, que a partir de agora se encontra numa sala à disposição de professores, alunos e, em geral, da população de C. Branco.

O camarada Carlos Carvalhas, enaltecendo a figura e o exemplo de Vasco Silva, afirmou «para quem defende valores, ideais, causas que são universais, para quem entende que, estando nós no século XXI, depois de tantas transformações, depois de tantos avanços científicos e tecnológicos, ainda vê tantos milhares de seres humanos, tantas famílias que se encontram à margem do crescimento económico, do bem-estar, do acesso à cultura, aos tempos livres, à justiça, quando, estando nós no século XXI, encontramos tantos seres humanos que se debatem com as mesmas chagas como aquelas com que os nossos antepassados entraram no século XX, creio que este pequeno contributo também nos ajuda a transformar o mundo».

O Salão dos Continentes

À noite, na Covilhã, no Centro de Trabalho, vivia-se um clima de festa. E o caso não era para menos. Depois de mais de vinte anos de esforços, finalmente, as belas pinturas setecentistas que ornamentam o salão principal do edifício da sede do PCP, recuperaram toda a sua beleza e dignidade. Doravante, as pinturas da «sala do tecto», como os militantes e amigos do PCP, na Covilhã, se habituaram a chamar ao «Salão dos Continentes», vão poder mostrar todo o seu esplendor barroco à população.

As obras de restauro foram levadas a cabo através de um protocolo assinado entre o Partido Comunista Português e a Região de Turismo da Serra da Estrela (RTSE).

Em nome do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras de Lisboa (IHAFLB), de que é presidente, o camarada Vítor Serrão afirmou que «pensámos que a Covilhã tinha um património artístico depauperado e pouco importante em termos testemunhais para a memória do património colectivo. A verdade é que, fruto do trabalho que há ano e meio arrancou, a convite do PCP, da RTSE e do IPPAR, se verificou que, afinal, a Covilhã tem um património gótico, manuelino, renascentista, barroco e rócócó, de grande mérito e valor no contexto do país».

Para Vítor Serrão o património artístico do nosso país não é apenas o Convento de Cristo, nem a Batalha, ou os Jerónimos ou Mafra, é também formado por «periferias e comportamentos estéticos que nascem fora de Lisboa, Porto, Coimbra ou Évora. É formado por comportamentos criativos que, com um cariz ideológico muito firme, marcaram modos de actuar, de agir, de decorar, como é o caso deste tecto, em momentos da história de Portugal particularmente complicados». Estas pinturas são um pequeno capítulo mas muito importante, na medida em que ilumina repentinamente uma região a respeito da qual o Guia de Portugal e as monografias referem que não há nada. «Esta ideia, que vigorou até agora, tem de ser combatida, a partir do momento em que reivindiquemos como colectiva a ideia de património como mais valia que ajuda a transformarmo-nos e ajuda também a recuperarmos memórias perdidas», acrescentou Vítor Serrão.

Na intervenção de encerramento e referindo-se à situação política na Europa, Carlos Carvalhas disse «estamos aqui na afirmação de um acto cultural e também na afirmação de um acto de democracia. Numa altura em que, pela Europa, velhos demónios se levantam, ontem na Bélgica, Holanda, Áustria, Itália e, infelizmente, também agora na França, creio que, nesta semana em que estamos e que faz ponte entre Abril e Maio, fazemos uma afirmação de valores do nosso país e que são universais. Valores que enformam e que terão de formar a nossa democracia que não é irreversível e, por isso, tem de ser defendida todos os dias».

O binóculo da Covilhã

O tecto do salão nobre da «Casa das Morgadas», nome porque é conhecido o edifício do Centro de Trabalho do PCP, foi mandado construir em 1642, pelo proprietário, Simão Cardoso Tavares, um próspero industrial dos lanifícios. Mais tarde, por volta de 1690, foi pintada uma alegoria aos quatro continentes ( já descobertos naquele tempo) por um mestre de uma oficina de pintura que existiu na Covilhã durante cerca de 30 anos, chamado Manuel Pereira. Nessa altura, durante o reinado de D. Pedro II, conta-nos Vítor Serrão, «a Covilhã era uma terra ascendente por via do trabalho têxtil e da indústria de panos, mas também muito reprimida por albergar uma comunidade importante de mercadores, cristãos novos. Na época em que o tecto foi pintado há pelo menos 20 autos de fé documentados».

Para Ricardo Silva, mestre em história de arte, «estas pinturas significam uma forma de o proprietário conquistar um certo estatuto social como forma de defesa. O certo é que tanto os painéis centrais como os laterais formam um conjunto iconográfico de grande valor. Não é só uma peça, mas sim várias cenas dentro de uma cena». E todas elas vão permitir fazer uma leitura mais detalhada de pormenor, de temáticas pontuais, de modos de ver o mundo através do «binóculo da Covilhã».

Embora ingénua, esta pintura é como um livro aberto do modo como, a partir da Covilhã, o mundo era entrevisto e descoberto na perspectiva que nos volta a revelar que toda a obra de arte é ideologicamente comprometida, em qualquer momento, porque fala de valores, de conflitos, de problemas do quotidiano e de um mercado activo e empreendedor. Tudo isto está no tecto da Covilhã.

«Avante!» Nº 1484 - 09.Maio.2002