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Os voos rasantes (1)

RELIGIÕES  • Jorge Messias

A Conferência Episcopal divulgou recentemente (6 de Janeiro de 2002) uma Carta Pastoral sobre Educação. A nota refere os problemas educativos com expressões particularmente vagas, como é habitual nas primeiras manobras de enquadramento do tiro, tão familiares ao episcopado. Delimita-se a área que se pretende atingir em termos de interesses eclesiásticos, regula-se a alça e só depois se dispara. Neste caso da reconquista da área do ensino, é claro e evidente que a hierarquia católica considera a questão como de vida ou de morte.

Logo a seguir ao Plenário dos Bispos (coisa de oito dias depois) surgiu um outro documento sobre o mesmo tema, produzido pela mesma área da igreja. Não é divulgação de novo original mas a leitura canónica do que já fora anteriormente publicado. Revela-se, então, parte do entendimento que a hierarquia faz da carta pastoral... que ela própria produziu! Merece a pena olharmos para esta explicação dos significados do texto episcopal, publicada no número 850, de 15.01.2002, do Boletim EX - Agência Ecclesia, órgão informativo do episcopado português, em artigo assinado pelo padre Manuel Joaquim Gomes Barbosa, titular do alto cargo de director do Secretariado-Geral da Conferência Episcopal.

Uma vez o tiro regulado, assiste-se agora ao disparo da primeira salva de artilharia. Os alvos a atingir estão claramente assinalados. Abandona-se a vaga noção filosófica de educação e enumeram-se as metas estratégicas que as forças atacantes se propõem bombardear: o aluno, a família, a escola, a intervenção da igreja na programação inter-disciplinar, o ensino católico considerado como parceiro social de qualidade, o uso crítico e controlado dos meios de comunicação social, o desenvolvimento do conceito de educação integral, agrupado em torno das aulas de Educação Moral e Religiosa Católica e o reconhecimento oficial da Igreja como Grande Educadora.

Rumores

Repare-se que, à data destas publicações do episcopado português ainda não tinham sido realizadas as eleições legislativas que iriam saldar-se pela vitória dos partidos de direita. Porém, é certo que as intervenções políticas dos bispos não se registam ao acaso mas logo que a igreja considera poder antecipar com segurança aquilo que provavelmente virá a acontecer. Na altura da divulgação da carta pastoral, corriam rumores da existência de negociações entre a hierarquia católica e o grande empresariado. A reformulação dos programas de governo e a composição do próprio governo, em termos de representatividade dos «lobbies» que o integram, veio confirmar esta versão.

Já depois de constituído o novo elenco governativo do PSD/PP, registou-se novo desenvolvimento neste processo de consolidação do poder da igreja nalgumas áreas estratégicas previamente definidas. Coincidindo com a data histórica do 25 de Abril (e não, certamente, por mero acaso), o episcopado português fez reunir, em Fátima, 70 especialistas em Direito Canónico, para debaterem o tema das Relações Igreja-Estado. Nas «Conclusões Finais» desta reunião magna dos jurisconsultos do clero português diz-se o suficiente para que compreendamos, no essencial, a importância que elas virão a ter politicamente, num futuro próximo. Sobretudo, como é característica da igreja, na elaboração das bases teóricas de novas reivindicações e de novos passos a dar no sentido da ampliação do poder eclesiástico.

O comunicado das X Jornadas de Direito Canónico publicado na Internet, articula-se em 12 pontos. Aborda aspectos principais das relações Igreja/Estado em áreas que convém referir: a Concordata de 1940; a Lei da Liberdade Religiosa; a Igreja e o Ensino; o Património Cultural; os benefícios fiscais; o Acordo Missionário; Assistência Religiosa às Forças Armadas; o casamento canónico; o tratamento a dar pelo Estado à Igreja Católica e às outras confissões religiosas. A ele voltaremos.

«Avante!» Nº 1484 - 09.Maio.2002