Nanotecnologia,
o outro, inédito,
modo tecnológico
CIÊNCIA & TECNOLOGIA • Francisco
Silva
Ando desde há algum tempo a hesitar na decisão do como e quando tratar o tema da nanotecnologia. É por certo um assunto a estar cada vez mais na ordem do dia. E não apenas por, para muitos, serem grandes, diria enormes, as esperanças, nela colocadas. Enormes as esperanças e, quantas vezes, especulativas - pelo menos na época actual -, será o mínimo a poder dizer-se. Outros dirão: descabidas. Outros ainda a sugerirem alguma charlatanice em certos exageros. Dá vontade de dizer: perante o novo, sempre o costume das atitudes. E com os mais diversos graus de razão, e de sem razão, claro.
Mas, eu, já desde há cerca de uma década tenho visto a razão do coração a balançar, e sempre mais para o lado das maravilhosas promessas, e sempre também a procurar não me deixar embalar pelo canto das sereias da nanotecnologia! Mas, como as cautelas e os caldos de galinha também podem ser muito inibidoras das possibilidades de vislumbrar as vias do progresso, decidi reganhar coragem e, mais uma vez, enveredar pelas dificuldades do incerto. Que, de qualquer maneira, já não são veredas tão desacompanhadas assim, as da nanotecnologia. Basta ver como crescem depressa os recursos atribuídos à I&D desta área.
E o que é isso?
E o que é isso da nanotecnologia? Vá, desembucha. Bem, se nos estivermos a referir a tamanhos, 1 nanómetro (nm) é um comprimento mil vezes menor que 1 mícron ou um milhão de vezes menor que 1 milímetro. Isto é, um comprimentos da ordem de grandeza do nanómetro é difícil de imaginar para quem está habituado aos metros, aos centímetros ou, quando muito, aos milímetros. Mas já, se estivermos a pensar em entidades como os átomos, o caso muda de figura. O diâmetro de um átomo é da ordem de grandeza de um décimo de nanómetro. Portanto, uma unidade boa para o tamanho de agregados atómicos modestos.
A molécula do genoma, por exemplo, tem 2.3 nm de largura. O tamanho da molécula da glicose é da ordem de 1 nm. A da hemoglobina é umas vezes maior. Menos de dez vezes. Os vírus já têm uma dimensão de algumas dezenas de nanómetro. Portanto, não visíveis. Mas suficientemente imagináveis para entendermos a imensidão do seu mundo. Na verdade, parafraseando o físico Feynman, lá nas funduras [do micromundo, e mais ainda do nanomundo, diria eu] há espaço de sobra - no volume de uma gota de água poderiam ser acomodadas uns mil milhões de milhões de milhões de moléculas de glicose!
Ou, como também já dizia o mesmo Feynman, um dia os átomos poderão ser manipulados como nos aprouver, para tal tendo de respeitar-se, é claro, as leis da estabilidade química. Quer dizer, levados até às últimas consequências, poderemos pensar na criação, mais tarde ou mais cedo, de nanomáquinas e de nanocomputadores a trabalhar para no fabrico de tudo o que possamos imaginar. Utilizando a Vida métodos semelhantes, pois é o que acontece com o fabricos das proteínas e células e tecidos e órgãos, dirigidos pelos genomas e efectuados por máquinas como os ribossomas, porque não seguirmos uma via semelhante?
Podendo, no fabrico das coisas, manipular os átomos - manipular não com as nossas mãos, mas com nanomáquinas construídas para o efeito por outras máquinas, construídas para estes submundos, as quais foram realizadas por meio de outras mais próximas de nós, e assim por diante, ou por aí acima, até o nível controlado directamente por nós – portanto, juntando-os, aos átomos, e moléculas, da forma apropriada ao projecto desenhado, será o modo da nanotecnologia. Um modo de construção tipo Lego, bem diferente, oposto, às tecnologias desbastadoras, desperdiçadoras, utilizadas até ao presente pela Humanidade.
De esta «simples» reorientação, a colocar de pernas para o ar o modo - o paradigma - tecnológico da Humanidade, logo com o aproveitamento possível de todos os átomos, incluindo o reaproveitamento de todos os átomos já utilizados, poder-se-á atingir eficiências ideais na utilização dos recursos. Do mesmo modo, rectificar todos os danos provocados ao ambiente. Também, segundo os mais entusiastas, poder-se-á manter vivos para sempre os organismos! E, entre outras coisas, ainda, redirigir para a Terra a energia do Sol, a partir do Espaço. Ou construir os dispositivos adequados à colonização extensiva do Espaço.
E, claro, as miríades de bens para o nosso dia a dia - roupas, comida, mobília, computadores, casas, mobílias, etc.
Especulações. Dizem os críticos: muita conversa e, quanto
se vê, pouca uva. E esperanças bem fundadas, onde? Mas, também
é certo, algum caminho tem sido construído.
«Avante!» Nº 1484 - 09.Maio.2002