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Entrevista com Sean Garland,
presidente do Partido dos Trabalhadores da Irlanda
«O desenvolvimento económico
passou ao lado de muita gente»

• Gustavo Carneiro

Em vésperas das eleições gerais na Irlanda, Sean Garland, presidente do Partido dos Trabalhadores, fala da situação que se vive no país, bem como dos assassinatos e cisões que fustigaram o seu partido, que se afirma como voz coerente na política irlandesa, profundamente desacreditada aos olhos do povo.

Há uns anos, a Irlanda estava na cauda da União Europeia. Recentemente, teve um grande desenvolvimento...

Sean GarlandSim, mas esse desenvolvimento passou ao lado de muita gente. Manteve-se num certo segmento da sociedade. Nos últimos oito anos, recebemos vários milhões de euros, que foram utilizados para arrancar com o crescimento, que trouxe prosperidade para alguns. Mas há uma significativa parte da sociedade que está imensamente pobre, porque os frutos não foram colhidos por todos da mesma maneira. Este salto revelou também a grande corrupção existente, que ficou mais exposta… É por isto que a maioria dos irlandeses está desiludida com a política. No ano passado, no referendo sobre o Tratado de Nice, foram menos de 40 por cento os eleitores que votaram…

E também tiveram um referendo sobre o aborto...

Mas esse é um assunto que envolveu o povo, porque há um elemento conservador e direitista muito forte na sociedade irlandesa e que se opõe terminantemente ao aborto. Mas este sector, felizmente, encontrava-se dividido, pois alguns consideravam que este referendo não ia suficientemente longe, o que contribuiu muito para que o «Não» tivesse ganho. Isto apesar do forte apoio com que o governo contou, da parte do lobby católico de extrema-direita, para que fosse alterada a constituição no sentido de tornar o aborto completamente ilegal e fazer com que toda a gente que fizesse ou assistisse a um aborto pudesse passar até doze anos na cadeia...

No referendo sobre Nice, foi surpreendente a vitória do «Não»...

Bem, os três maiores partidos parlamentares estavam pelo tratado: o Fianna Fail, o Fine Gael e o Partido Trabalhista. Contra ele estava uma grande «aliança» que incluía o meu partido, o Partido Comunista, e outros partidos de esquerda, mas também católicos de extrema-direita. Foi interessante ver que o «Sim», gozando do apoio da grande maioria do parlamento, tenha sido derrotado nas urnas.

Quais os principais problemas que o país defronta?

São diferentes no Norte e no Sul. No Sul, a saúde e a habitação tornaram-se problemas centrais. As pessoas, quando vão ao hospital, podem ser deixadas na sala de espera, durante dois dias, a aguardar uma cama. Há 20 anos atrás, o governo enveredou por uma política de cortes orçamentais, fechando hospitais que nunca reabriu. A situação da habitação, por exemplo, é dramática. Há, em Dublin, mais de 40 mil pessoas à espera de casa. Mas o desemprego também começa a ser um problema, devido a ter havido muita gente prejudicada pelo crescimento. Também a Irlanda do Norte tem estes como problemas centrais. Mas a questão do sectarismo, da divisão, faz com que seja muito difícil organizar em torno de questões sociais e económicas…

A Irlanda vai a votos brevemente. Como antevês os resultados?

Penso, em primeiro lugar, que muito pouco irá mudar. Prosseguir-se-á a mesma política de privatizações das empresas do Estado, como os transportes – aéreos, rodoviários e ferroviários –, a energia e as telecomunicações, sector que está, aliás, praticamente todo nas mãos dos ingleses. Está-se a fazer isso um pouco por toda a União Europeia e aqui não será excepção. Até porque os três maiores partidos parlamentares apoiam as medidas liberalizadoras.

Sobre os resultados, penso que o Fianna Fail, que está no governo, ganhará as eleições, mas que precisará, tal como precisou, de apoios parlamentares. Se actualmente o apoio vem dos «democratas progressistas» e de quatro independentes conservadores, acho que a seguir às eleições é possível que seja o Partido Trabalhista a estar no governo com o Fianna Fail, já que estão sedentos de ir para o poder…

O vosso partido sofreu, ao longo dos anos, muitas divisões, que o enfraqueceu. Como explicas tantas cisões?

As divisões são um assunto central. Brendan Behan, famoso escritor irlandês, afirmou uma vez que «o primeiro assunto de discussão em qualquer reunião política na Irlanda é uma cisão»... Em tempos, nós fomos o Sinn Féin. Em 1970, houve uma divisão, quando um grupo saiu para formar o IRA provisório (e o Sinn Féin provisório). Nós ficámos conhecidos como «oficiais». Em 1977, tornámo-nos no Sinn Féin/Partido dos Trabalhadores, à medida que adoptávamos uma maior consciência de classe. Em 1982, mudámos de nome para Partido dos Trabalhadores. Entretanto, em 1974 /75, um grupo de «oficiais» começou a desenvolver campanhas terroristas e foi expulso. Eram trotskistas e tornaram-se no Partido Republicano Socialista Irlandês e no Exército de Libertação Nacional Irlandês. Tivemos, com eles, uma luta interna intensíssima. Eles atacaram-nos em Belfast, matando oito ou dez membros do nosso partido. Também me tentaram matar, em Dublin… Nós depois ripostámos. Foi muito duro…

E depois, estabilizaram?

Sim, Em 1977, quando os expulsámos, estabilizámos e tornámo-nos mais fortes. Em 1982, começámos a ter algum sucesso, no parlamento e na sociedade. Em 1989, tínhamos sete deputados no Parlamento e um no parlamento europeu… Mas em 1992, houve outra divisão, fomentada sobretudo por deputados, que acabaram por sair e arrastar consigo o então presidente do partido. A cisão foi muito séria porque tínhamos sete deputados e vimos seis deles desertar, tal como o eurodeputado... Formaram um partido, a Esquerda Democrática, que, mais tarde se tornou parte do Partido Trabalhista. Pelo que eles diziam e pelo que se passava em muitos outros partidos, com o advento dos oportunismos, era esperado que isto acontecesse…

Qual o papel que a esquerda pode desempenhar?

No futuro mais próximo, não vejo grandes hipóteses da esquerda conseguir influenciar grande coisa. Há muitos partidos pequenos a concorrer... Quanto a nós, teremos sete candidatos: quatro em Dublin, e um em Cork, Louth e Waterford. Estamos esperançados, mesmo optimistas, em relação à nossa candidatura em Waterford, onde temos uma boa organização, muito activa, e dois conselheiros locais. É para aí que estamos a canalizar os nossos – fracos – recursos.

E o movimento sindical, tem poder para influenciar?

Infelizmente, o movimento sindical perdeu muita força e muita gente. Com o passar dos anos, os sindicatos na Irlanda tornaram-se parte de uma «parceria» entre o governo, os patrões e os sindicatos. Recentemente, têm-se dado passos positivos: muitos sindicatos juntaram-se à SIPTU (a maior central sindical), que tem um novo secretário-geral, o qual tem feito muito bons discursos acerca da natureza do capitalismo e do papel dos sindicatos... O Partido Trabalhista influencia bastante o movimento sindical, tal como o Fianna Fail, o que não deixa de ser surpreendente, pois é um partido conservador. E nós também influenciamos. Aliás, esta é uma das áreas em que temos sido mais bem sucedidos. Temos sindicalistas a tempo inteiro, com bom conhecimento dos problemas e bem vistos pelos trabalhadores, porque se batem pelas causas. Porque, regra geral, as direcções dos sindicatos são compostas por indivíduos burocratizados que estão apenas a fazer carreira e a ganhar dinheiro.

«Avante!» Nº 1484 - 09.Maio.2002