Defesa Nacional e Forças Armadas
Até agora, só correntes de ar
Rui Fernandes
Dois aspectos marcam, até ao momento, a acção do Ministro Paulo Portas, a saber: o discurso do «disco» repetido e a conversa em torno dos ex-combatentes, na sequência do «disco» eleitoral.
Vejamos pois, cada um destes aspectos, sem qualquer carácter exaustivo.
O primeiro assenta num discurso de lógica, ou seja, primeiro o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, a seguir o Conceito Estratégico Militar, a seguir..., a seguir.... . É certo e alinhado este discurso. Mas este discurso não pode ser dissociado do contexto em que é produzido e, no actual contexto, tem muito de fundamentalista com prejuízos para as FFAA. Todos sabemos as dificuldades com que se debatem as FFAA em diversos domínios. Ora, se é certo que do ponto de vista dos princípios o discurso é correcto, é também certo que, no que respeita ao reequipamento, existem programas que são pacíficos e relativamente aos quais não há razão para adiamentos até porque, já pecam pelo seu atraso. Falamos, por exemplo, dos patrulhões, dos helicópteros, etc.
As considerações que vieram a público, por parte de Paulo Portas, sobre o não aproveitamento por parte do PS da aquisição de submarinos em 2.ª mão ou as recentes referências ao projecto europeu dos aviões de transporte A400M, mais não visam do que criar uma cortina de fumo em relação à questão de fundo. E a questão de fundo reside na dificuldade que o Ministro Portas tem em contradizer o deputado Portas, que aprovou uma Lei de Programação Militar fortemente polémica e sem nexo nos seus programas substanciais. É o que dá o oportunismo e a demagogia. Mas as FFAA não podem pagar o preço desse estilo, nem podem servir de trampolim para operações de demagogia e propaganda. Por outro lado, escudado num putativo discurso lógico, ganha tempo. É que aqui aplica-se bem, numa lógica inversa à normalmente usada, a expressão «tempo é dinheiro».
Enquanto isto, o PCP procedeu à actualização e apresentação do seu projecto de Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional.
O segundo é o discurso para os ex-combatentes. O PCP nada tem contra a dignificação das condições dos ex-combatentes e que sejam reparadas situações de injustiça oriundas de um tempo que o 25 de Abril pôs fim. Foi, aliás, o PCP que fez o relatório preliminar sobre esta situação. Foi o PCP que apresentou um conjunto de alterações à lei que visavam universalizar mais os direitos quanto à contagem do tempo de serviço, propostas essas recusadas pelo PS e pelo PP. Esta é a verdade! Mas também é importante deixar-mos claro que recusamos embarcar em ondas oportunistas.
Hoje, duas questões se colocam: a primeira, é quando é que o Ministro Portas passa do discurso ao cumprimento das promessas. É que uma coisa são os requerimentos e outra bem diferente é toda a tramitação e verificação dos mesmos que possibilite a solução concreta. A segunda, é que hoje, no activo, muitas centenas de militares ex-combatentes (e futuros combatentes se a isso forem obrigados por exigência do interesse nacional) continuam a ver os seus salários a degradarem-se, a ver as suas carreiras desfeitas, a ver a sua dignificação profissional a precarizar-se.
Artes...
Ainda há poucos dias o CEMFA queixava-se da dificuldade em recrutar pessoal, atribuindo uma parte das razões a questões de atractividade, ou seja, dizemos nós, degradação em múltiplos aspectos das condições materiais, sociais, etc., dos militares. E prova-se hoje, como dissemos na altura, que o problema de fundo não eram as disposições legais que tanto sururu deram e que foram apressadamente alteradas, mas a sistemática degradação dos padrões sócio-profissionais dos militares, incluindo os pilotos.
O Orçamento Rectificativo teve uma importante tranche para as FFAA. Mas essa tranche mais não serviu do que para pagar dívidas e mesmo assim... Por isso disse, e bem, o Almirante Vieira Matias que nada de substancial tinha mudado, insurgindo-se também quanto à expressão utilizada de que «a Marinha estava apaziguada». Agora, o Ministro Portas fez uma referência à intervenção «serena» do CEMFA. Compreende-se a diferença de juízo produzida, mas é um mau caminho este. Entretanto, a realidade existente é de dificuldade. Está em estudo a questão da equivalência de vencimentos à GNR, visando os sargentos e praças. Mas persiste no esquecimento as discrepâncias ao nível dos 1.º Tenentes/Capitães, já para não falar do problema da revalorização global das remunerações dos militares. Toda a situação existente ao nível dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas é muito preocupante. O anúncio da privatização dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, além de constituir mais um rombo nas capacidades nacionais, mexe com projectos perspectivados para a Marinha. Mantêm-se, assumindo à medida que o tempo passa maior complexidade e gravidade, o problema da extinção do SMO face ao não cumprimento da lei do Serviço Militar e ausência de outras medidas para o voluntariado e para o regime de contrato. Enfim, nenhum dos problemas estruturais colocados ao longo do tempo teve até agora resposta ou qualquer laivo de dinâmica que permita vislumbrar um caminho.
Entretanto, Paulo Portas, vai falando q.b. e tentando preservar a sua imagem, evitando ser arrastado no quadro da crescente impopularidade que vai atingindo o Governo.
Paulo Portas segue uma velha máxima de H. De Montherlant: «A política
é a arte de captar em proveito próprio a paixão dos outros».
Só que esta forma de estar e fazer política tem prazo de validade.
«Avante!» Nº 1494 - 18.Julho.2002