Sonhos de gente comum

Anabela Fino

«Há quem diga que todas as noites são de so­nhos. Mas há também quem ga­ranta que nem todas, só as de Verão. No fundo, isto não tem muita im­por­tância. O que in­te­ressa mesmo não é a noite em si, são os so­nhos. So­nhos que o homem sonha sempre, em todos os lu­gares, em todas as épocas do ano, dor­mindo ou acor­dado». As pa­la­vras, atri­buídas a Sha­kes­peare, as­sentam como uma luva ao con­certo de mú­sicasin­fó­nica con­ce­bido para ho­me­na­gear Karl Marx no ano em que se as­si­nala os 200 anos do seu nas­ci­mento.

A noite de sexta-feira es­teve longe de ser de Verão, mas bas­taram os acordes da Fan­farra para o Homem Comum para acordar no vasto au­di­tório do Palco 25 de Abril os so­nhos ainda por so­nhar, so­nhos com raízes fundas nos so­nhos so­nhados por mi­lhões de ho­mens em todo o mundo. Porque se a obra de Aaron Co­pland foi de­di­cada aos tra­ba­lha­dores que ali­men­taram a pro­dução du­rante a Se­gunda Guerra Mun­dial e aos que nela per­deram a vida, o tí­tulo que lhe deu en­cerra em si um duplo sen­tido: comum porque de­signa o ser hu­mano vulgar; comum porque sim­bo­liza o que é de todos.

Di­ri­gida com ma­es­tria por Vasco Pe­arce de Aze­vedo, a Or­questra Sin­fo­nieta de Lisboa não poupou nos seus cré­ditos e ar­re­batou desde o pri­meiro mo­mento o pú­blico – também ele comum, com toda a honra –, que logo de­pois se dei­xaria en­cantar pela Suite de Danças Sin­fó­nicas, com­po­sição de Le­o­nard Berns­tein ba­seada no mu­sical West Side Story. Com apu­rado sen­tido do «comum», estepro­di­gioso ma­estro e com­po­sitor norte-ame­ri­cano, uma das muitas ví­timas do Ma­car­tismo por sus­peitas de sim­patia com o co­mu­nismo, mal se tornou di­rector ar­tís­tico da Fi­lar­mó­nica de Nova Iorque, em Ja­neiro de 1958, deu início aos fa­mosos Con­certos para Jo­vens (53, du­rante 14 anos), abrindo assim o mundo da mú­sica clás­sica a ge­ra­ções in­teiras de «ili­te­rados» mu­si­cais como eu que de­pois ti­veram a opor­tu­ni­dade de os ver e ouvir na te­le­visão.

O con­certo pros­se­guiu com a Aber­tura de Sonho de Uma Noite de Verão, de Men­dels­sohn, uma obra-prima em que so­pros, cordas e de­mais or­questra nos trans­portam para o mundo má­gico onde tudo é pos­sível – até acordar e con­cre­tizar os so­nhos.

O poema-sin­fó­nico Fran­cesca da Ri­mini, de Tchai­kovsky – um «caos mu­sical ma­gis­tral­mente or­ga­ni­zado», na feliz ex­pressão de Fausto Neves, pre­parou o pú­blico para a apo­teose que viria a se­guir e foi uma opor­tu­ni­dade única para apre­ciar uma obra que, como lem­brou noutra edição do jornal o pi­a­nista e pro­fessor, ra­ra­mente é ou­vida nas nossas salas de con­certo dada a grande di­fi­cul­dade téc­nica que a obra co­loca à or­questra que a exe­cuta. Mais um pal­marés para a Festa do Avante!

Para en­cerrar com chave de ouro, Be­ethoven, pois claro, com o 4.º an­da­mento da Nona Sin­fonia, com a mag­ní­fica par­ti­ci­pação do Coro Sin­fó­nico «Lisboa Cantat», sob a di­recção do ma­estro Jorge Car­valho Alves, e dos so­listas Carla Si­mões, Cátia Mo­reso, Pedro Ro­dri­gues e

Nuno de Araújo Pe­reira, cuja qua­li­dade não chegou a ser be­lis­cada pelo pon­tual per­calço que se re­gistou no som.

Esta Ode à Li­ber­dade, trans­for­mada em Ode à Ale­gria por causa da cen­sura, ver­da­deira exor­tação à fra­ter­ni­dade uni­versal, soube a pouco, como tudo o que nos pre­enche. A voz hu­mana can­tando os ideiais da li­ber­dade, da so­li­da­ri­e­dade e da paz, bela e po­tente, ali­mentou o es­pí­rito, in­cen­ti­vando o pú­blico a par­ti­cipar na ba­talha por um mundo me­lhor, sem ex­plo­ra­dores nem ex­plo­rados. Marx teria aplau­dido.

 



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