Obra e exemplo de Amílcar Cabral são património dos povos na luta

«Amílcar Ca­bral cons­titui um le­gado pre­cioso de con­fi­ança na força in­ven­cível da luta or­ga­ni­zada dos povos, pela sua so­be­rania e di­reitos, pela trans­for­mação da so­ci­e­dade», su­bli­nhou Paulo Rai­mundo numa sessão em que se as­si­nalou os 50 anos do as­sas­si­nato do fun­dador e Se­cre­tário-geral do PAIGC.

«Os ideais a que Amílcar Ca­bral de­dicou toda a sua vida aca­barão por triunfar»

A ini­ci­a­tiva de­correu faz hoje uma se­mana, ao fim da tarde, na Casa do Alen­tejo, em Lisboa, e re­gistou uma as­sis­tência bem para além dos lu­gares sen­tados, obri­gando a que muitos fi­cassem de pé, nas la­te­rais e ao fundo da sala.

Nas pri­meiras filas, es­tavam mem­bros dos or­ga­nismos exe­cu­tivos do PCP, entre os quais o seu Se­cre­tário-geral, Paulo Rai­mundo, e re­pre­sen­tantes do PAIGC, da Guiné-Bissau, do PAICV, de Cabo Verde, «prin­ci­pais por­ta­dores do le­gado de luta de Amílcar Ca­bral», como re­feriu Seyne Torres, do Co­mité Cen­tral do Par­tido, que con­duziu os tra­ba­lhos. Sen­tados na frente es­tavam, também, re­pre­sen­tantes do MPLA, de An­gola, e da FRE­LIMO, de Mo­çam­bique.

Pre­sentes, ainda, es­ti­veram di­plo­matas de An­gola, África do Sul, Ar­gélia, Cabo Verde, China, Cuba, Mo­çam­bique e Timor Leste, bem como mem­bros de as­so­ci­a­ções e or­ga­ni­za­ções di­versas, in­cluindo das co­mu­ni­dades afri­canas ra­di­cadas em Por­tugal.

A sessão-po­lí­tico cul­tural teve como pro­pó­sito as­si­nalar os 50 anos do as­sas­si­nato de Amílcar Ca­bral (20 de Ja­neiro de 1973), mas marcou igual­mente o início das co­me­mo­ra­ções do cen­te­nário do seu nas­ci­mento, que o PCP pro­move até Se­tembro de 2024, com o ob­jec­tivo de «di­vulgar o seu pen­sa­mento e obra» e «os pro­cessos de luta de li­ber­tação na­ci­onal no con­ti­nente afri­cano, com o que con­ti­nuam a re­pre­sentar de fu­turo» na «li­ber­tação, de­sen­vol­vi­mento e pro­gresso so­cial» dos povos, ex­plicou igual­mente Seyne Torres.

E foi jus­ta­mente com o úl­timo dis­curso de Amílcar Ca­bral, pro­fe­rido via rádio em Ja­neiro de 1973, dias antes do seu vil as­sas­si­nato, e re­pro­du­zido ali na ins­ta­lação so­nora, que ar­rancou a ini­ci­a­tiva. Se­guiram-se Sofia Lisboa, Pedro Sal­vador e Rui Gal­veias, mú­sicos que deram o mote com dois temas do álbum «En­quanto Há Força», de Zeca Afonso, e com a mú­sica que narra mo­mentos mar­cantes da vida do ho­me­na­geado, «Amílcar Ca­bral (Bu Morri Cedo)», de Tony Lima.

Entre as in­ter­ven­ções po­lí­ticas dos re­pre­sen­tantes do PAIGC e do PAICV, e de en­cer­ra­mento, a cargo de Paulo Rai­mundo, houve ainda tempo para ouvir po­esia pelo gui­ne­ense Abi Pi­quer Tê, que de­clamou dois textos de sua au­toria e um da au­toria de Amílcar Ca­bral, e as mornas na voz de Maria Alice, acom­pa­nhada por Hum­berto Ramos, que in­ter­pretou igual­mente um emo­ci­o­nante tema em ho­me­nagem a Amílcar Ca­bral.

Le­gado imortal

«Falar de Ca­bral não é fácil», não apenas pela sua in­ter­venção mul­ti­fa­ce­tada, mas porque «atingiu um ca­rácter uni­versal», con­si­derou Rui Ri­beiro, que in­ter­veio em nome do PAIGC. O di­ri­gente re­alçou que «a obra de Ca­bral» é «muito mais do que a luta ar­mada», re­cor­dando, assim, o longo per­curso de es­tudo da re­a­li­dade gui­ne­ense le­vado a cabo pelo re­vo­lu­ci­o­nário, de fun­dação e cons­trução do par­tido, de te­o­ri­zação da si­tu­ação co­lo­nial e apli­cação con­creta à re­a­li­dade em que in­ter­vinha, de de­núncia e re­pre­sen­tação in­ter­na­ci­onal dos povos afri­canos opri­midos pelo co­lo­ni­a­lismo e de re­sis­tência ao fas­cismo por­tu­guês, o que, aduziu, lhe per­mitiu, entre ou­tros feitos, forjar a uni­dade e luta de todas as et­nias do país contra um ini­migo comum e por um mesmo pro­pó­sito li­ber­tador.

Este le­gado per­ma­nece ac­tual, pros­se­guiu Rui Ri­beiro, por­quanto que na Guiné-Bissau, ac­tu­al­mente, forças anti-po­pu­lares pro­curam di­vidir o povo para go­vernar, im­pe­dindo, in­clu­si­va­mente, o pre­si­dente Do­mingos Si­mões Pe­reira de vi­ajar. Pelo que, o ano de 2023 é de acção de­ter­mi­nada na cons­trução de um re­sul­tado elei­toral, para o PAIGC, capaz de re­co­locar o país na senda da paz e do pro­gresso, con­cluiu.

Já Fran­cisco Pe­reira, que se di­rigiu à pla­teia em nome do PAICV, de Cabo Verde, di­vi­dindo a tri­buna com um seu ca­ma­rada que «aprendeu Ca­bral desde me­nino» e re­cordou que «muitos deram a vida pela li­ber­dade» no campo de con­cen­tração do Tar­rafal, re­cordou que a «po­lí­tica só faz sen­tido se co­lo­cada ao ser­viço do bem comum». Nesse sen­tido, apelou à luta pela «jus­tiça, de­sen­vol­vi­mento har­mo­nioso e sus­ten­tável» em África, onde, to­davia, con­tinua a de­pre­dação a soldo de in­te­resses neo-co­lo­niais.

Da imor­ta­li­dade da obra e exemplo de Amílcar Ca­bral falou, a en­cerrar, Paulo Rai­mundo, lem­brando que o «fun­dador e se­cre­tário-Geral do PAIGC foi as­sas­si­nado numa ope­ração le­vada a cabo por agentes a soldo do re­gime fas­cista e co­lo­ni­a­lista por­tu­guês», con­si­derou que «evocar este trá­gico acon­te­ci­mento é, para o PCP, um dever de me­mória».

Pro­pó­sito tanto mais opor­tuno quanto vi­vemos um «tempo em que a re­es­crita e a fal­si­fi­cação da His­tória estão a ser uti­li­zadas para pro­mover e nor­ma­lizar as forças mais re­ac­ci­o­ná­rias e agres­sivas por esse mundo fora, e quando, em Por­tugal, sau­dosos do an­ti­ga­mente se em­pe­nham em bran­quear o fas­cismo e o co­lo­ni­a­lismo e em apagar os seus crimes», aduziu.

«Amílcar Ca­bral foi as­sas­si­nado, mas os ge­ne­rosos ideais que nor­te­aram toda a sua vida não mor­reram», acres­centou o Se­cre­tário-geral do Par­tido, que in­sistiu: «neste tempo de ins­ta­bi­li­dade e in­cer­teza nas re­la­ções in­ter­na­ci­o­nais, em que o im­pe­ri­a­lismo pro­cura in­cutir nas massas po­pu­lares a ideia de que não há al­ter­na­tiva à sua po­lí­tica de ex­plo­ração, con­fron­tação e guerra e prega o con­for­mismo e a de­sis­tência, o pen­sa­mento e a obra de Amílcar Ca­bral cons­titui um le­gado pre­cioso de con­fi­ança na força in­ven­cível da luta or­ga­ni­zada dos povos pela sua so­be­rania e di­reitos, pela trans­for­mação da so­ci­e­dade».


Pen­sa­mento e acção re­vo­lu­ci­o­nária

In­ter­vindo no final da sessão po­lí­tico-cul­tural que as­si­nalou os 50 anos do as­sas­si­nato de Amílcar Ca­bral, Paulo Rai­mundo frisou a opor­tu­ni­dade de «su­bli­nhar al­guns traços mar­cantes do seu pen­sa­mento e acção re­vo­lu­ci­o­nária».

«Desde logo o seu pa­tri­o­tismo, a sua es­treita iden­ti­fi­cação com o so­fri­mento e as as­pi­ra­ções do seu povo; o seu pro­fundo co­nhe­ci­mento da com­plexa re­a­li­dade eco­nó­mica e so­ci­o­ló­gica gui­ne­ense, in­dis­pen­sável para a união das suas di­fe­rentes et­nias na luta; a ela­bo­ração de uma linha re­vo­lu­ci­o­nária ins­pi­rada nou­tras ex­pe­ri­ên­cias de luta de li­ber­tação na­ci­onal, mas par­tindo da re­a­li­dade gui­ne­ense, ori­ginal e cri­a­tiva como exigem todas as re­vo­lu­ções; uma só­lida for­mação teó­rica mar­xista a ilu­minar a sua se­rena e ina­ba­lável con­fi­ança na vi­tória sobre o co­lo­ni­a­lismo e a cons­trução de uma so­ci­e­dade nova, cons­trução que o PAIGC ini­ciou nas re­giões li­ber­tadas».

Não obs­tante, «como ver­da­deiro pa­triota, Amílcar Ca­bral foi, si­mul­ta­ne­a­mente, um in­ter­na­ci­o­na­lista con­victo e con­se­quente», e «disso são tes­te­munho a sua co­o­pe­ração es­treita com os res­tantes mo­vi­mentos de li­ber­tação na­ci­onal das co­ló­nias por­tu­guesas – MPLA, FRE­LIMO e MLSTP; a sua par­ti­ci­pação ac­tiva nos prin­ci­pais fó­runs re­gi­o­nais e mun­diais cen­trados na li­qui­dação do co­lo­ni­a­lismo e na luta anti-im­pe­ri­a­lista; a sua va­lo­ri­zação do papel his­tó­rico da Re­vo­lução de Ou­tubro e o re­co­nhe­ci­mento da ac­tiva so­li­da­ri­e­dade dos países so­ci­a­listas para com a luta dos povos gui­ne­ense e cabo-ver­diano», notou Paulo Rai­mundo.

«Pa­triota e in­ter­na­ci­o­na­lista, Amílcar Ca­bral foi um grande amigo do povo por­tu­guês. Sempre con­si­derou que o com­bate do PAIGC não era contra o povo por­tu­guês, mas contra o fas­cismo e o co­lo­ni­a­lismo por­tu­guês, e, tal como o PCP, sempre con­si­derou que o povo por­tu­guês e os povos da Guiné e de Cabo Verde eram ali­ados na luta contra o ini­migo comum», pros­se­guiu o di­ri­gente co­mu­nista, para quem, «nos dias que correm, este pen­sa­mento e guia de acção re­veste-se de grande ac­tu­a­li­dade», na me­dida em que «co­loca a ur­gência da uni­dade dos que são alvo das in­jus­tiças, ví­timas da ex­plo­ração, da dis­cri­mi­nação e das de­si­gual­dades, in­de­pen­dente da sua origem, cor dos olhos ou da pele, etnia ou pro­ve­ni­ência».


Com­bates pela ver­dade

«Aqueles que hoje pre­tendem di­mi­nuir e apagar o papel do PCP, so­bre­va­lo­ri­zando, ao mesmo tempo, to­madas de po­sição anti-co­lo­niais de ou­tros, já sur­gidas com a Re­vo­lução de Abril no ho­ri­zonte, prestam um mau ser­viço ao es­ta­be­le­ci­mento da ver­dade his­tó­rica e ao es­cla­re­ci­mento das novas ge­ra­ções». A ad­ver­tência foi dei­xada por Paulo Rai­mundo, que chamou a atenção para o facto de Amílcar Ca­bral ter ini­ciado e de­sen­vol­vido, desde cedo, con­tactos com os co­mu­nistas por­tu­gueses e o mo­vi­mento an­ti­fas­cista mais con­se­quente. Con­tactos «in­se­pa­rá­veis da firme po­sição de prin­cípio do PCP, o único par­tido que em Por­tugal pugnou sempre pela au­to­de­ter­mi­nação e in­de­pen­dência dos povos das co­ló­nias por­tu­guesas».

São múl­ti­plos os exem­plos: da «in­ter­venção de Bento Gon­çalves no VII Con­gresso da In­ter­na­ci­onal Co­mu­nista, em 1935», às «de­ci­sões do seu V Con­gresso, re­a­li­zado em 1957»; da re­a­fir­mação dessas po­si­ções «no VI Con­gresso, em 1965, que (...) apon­tava como um dos oito ob­jec­tivos fun­da­men­tais da Re­vo­lução De­mo­crá­tica e Na­ci­onal “re­co­nhecer e as­se­gurar aos povos das co­ló­nias por­tu­guesas o di­reito à ime­diata in­de­pen­dência”, ao facto de o PCP ter sido «o único par­tido que desde a sua fun­dação de­nun­ciou os crimes do co­lo­ni­a­lismo, com­bateu as teses de feição co­lo­nial e neo-co­lo­nial da opo­sição li­beral e so­cial-de­mo­crata, de­sen­volveu uma sis­te­má­tica acção contra a guerra co­lo­nial, in­cluindo a acção ar­mada da ARA contra o apa­relho mi­litar da guerra co­lo­nial».

No pre­sente e no fu­turo pró­ximo, im­porta, por outro lado, as­sumir a «de­fesa da ver­dade his­tó­rica» quando se co­me­moram 50 anos do 25 de Abril.

«Os be­ne­fi­ciá­rios da ex­plo­ração co­lo­nial foram os grandes grupos eco­nó­micos por­tu­gueses como o Grupo CUF» e, «por de­trás da do­mi­nação co­lo­nial por­tu­guesa, es­tava o do­mínio im­pe­ri­a­lista es­tran­geiro – in­gleses, ame­ri­canos, ale­mães, belgas e fran­ceses», disse o Se­cre­tário-geral co­mu­nista, que, neste âm­bito, as­si­nalou a «par­ti­cu­la­ri­dade da si­tu­ação por­tu­guesa que de­ter­minou que os des­tinos do povo por­tu­guês e dos povos de An­gola, Cabo Verde, Guiné, Mo­çam­bique e São Tomé e Prín­cipe fossem, ob­jec­ti­va­mente, ali­ados na luta contra o ini­migo comum». Isto é, o facto de Por­tugal ser, à época, um «país co­lo­ni­zador e, si­mul­ta­ne­a­mente, co­lo­ni­zado».

«O PCP, hoje como no pas­sado, con­tinua em­pe­nhado nos prin­cí­pios e nos ob­jec­tivos que es­ti­veram e con­ti­nuam a estar na base da luta comum dos povos pela paz, pela so­be­rania, pelos di­reitos, in­cluindo o di­reito ao de­sen­vol­vi­mento e ao pro­gresso so­cial, pela li­ber­tação de todas as formas de ex­plo­ração e de opressão, con­victo de que, mais cedo do que tarde, os ideais a que Amílcar Ca­bral de­dicou toda a sua vida aca­barão por triunfar», con­cluiu.




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