O legado de Amílcar Cabral

Albano Nunes

Existe em África uma ge­ne­ra­li­zada as­pi­ração de in­de­pen­dência e so­be­rania

Paira muita in­cer­teza sobre os su­ces­sivos golpes mi­li­tares na re­gião do Sahel, certo é que eles se ins­crevem no con­texto de in­su­por­tável po­breza em que vive a mai­oria das suas po­pu­la­ções e em que é cada vez mais claro para as massas a res­pon­sa­bi­li­dade da França, an­tiga po­tência co­lo­nial, na sua dra­má­tica si­tu­ação. A de­fesa da so­be­rania na­ci­onal e a luta contra a pi­lhagem das mul­ti­na­ci­o­nais e as bases mi­li­tares es­tran­geiras têm mar­cado grandes ma­ni­fes­ta­ções po­pu­lares.

Para com­pre­ender a tur­bu­lenta si­tu­ação no Sahel é ne­ces­sário lem­brar o bom­bar­de­a­mento e des­truição pela NATO da Líbia, um país es­tável e o mais de­sen­vol­vido do con­ti­nente afri­cano; a dis­se­mi­nação de grupos ter­ro­ristas pela re­gião; a in­tro­dução de forças e bases mi­li­tares fran­cesas, norte-ame­ri­canas e ou­tras com o pre­texto de com­bate ao «jiha­dismo» que afinal ali­mentam; a in­ten­si­fi­cação da ex­plo­ração de ri­quezas, como o caso do lítio no Mali ou do urânio e man­ganês no Níger. E lem­brar também que a con­quista da in­de­pen­dência dos países da cha­mada «África Oci­dental Fran­cesa» foi uma «in­de­pen­dência pac­tuada» com a im­po­sição de uma «co­mu­ni­dade fran­có­fona» do­mi­nada pela ex-po­tência co­lo­nial e su­jeita ao férreo do­mínio do Franco CFA, uma moeda emi­tida pelo Banco de França.

É ver­dade que as in­ter­ro­ga­ções são muitas e que, em geral, os mi­li­tares não for­mu­laram pro­gramas po­lí­ticos claros e avan­çados. Mas isso não apaga a evi­dência de uma ge­ne­ra­li­zada as­pi­ração de in­de­pen­dência e so­be­rania na­ci­onal. As­pi­ração que ganha ter­reno por todo o con­ti­nente afri­cano onde sobe o tom da crí­tica a um «Oci­dente» cujo cri­mi­noso pas­sado es­cla­va­gista e co­lo­nial con­tinua vivo na me­mória dos povos e que, no­me­a­da­mente a pre­texto das «tran­si­ções» cli­má­tica e di­gital, está a in­ten­si­ficar a cor­rida às ri­quezas do con­ti­nente com o apoio do FMI e do Banco Mun­dial, da (ainda) he­ge­monia do dólar, do gar­rote da dí­vida e da mi­li­ta­ri­zação do con­ti­nente, ao mesmo tempo que faz abun­dantes pro­messas de «ajuda» (que não cumpre) e de de­ma­gó­gicos pro­gramas de in­ves­ti­mento con­ce­bidos para «conter a China», como os EUA e a UE des­ca­ra­da­mente afirmam.

É cedo para saber se, no quadro do ace­le­rado pro­cesso de re­ar­ru­mação de forças no plano in­ter­na­ci­onal, es­tamos pe­rante si­nais de uma nova vaga de li­ber­tação na­ci­onal que com­plete a vaga dos anos 50 e 60. A ex­pe­ri­ência mostra que grandes ex­plo­sões de des­con­ten­ta­mento e de re­jeição de re­gimes di­ta­to­riais ao ser­viço do im­pe­ri­a­lismo, podem por vezes ser re­cu­pe­radas com novas caras e mu­dando al­guma coisa para que tudo fique na mesma. Mas uma coisa é certa. Mais cedo do que tarde as grandes massas de ex­plo­rados e opri­midos deste con­ti­nente onde a ju­ven­tude é lar­ga­mente pre­do­mi­nante, aca­barão por forjar no calor da pró­pria luta as ne­ces­sá­rias forças re­vo­lu­ci­o­ná­rias.

É neste pro­cesso que se ins­creve o le­gado de Amílcar Ca­bral, com o poder ins­pi­rador da sua obra e a ac­tu­a­li­dade do seu pen­sa­mento. Que isso tenha sido su­bli­nhado pelos nossos con­vi­dados afri­canos no de­bate re­a­li­zado no Es­paço In­ter­na­ci­onal da Festa do Avante! sobre «Amílcar Ca­bral e a luta dos povos afri­canos pela sua li­ber­tação» só vem re­forçar a con­fi­ança do PCP na cons­trução de uma África fi­nal­mente livre das amarras do co­lo­ni­a­lismo e do im­pe­ri­a­lismo, prós­pera so­be­rana.




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