Lénine e Keynes

Filipe Diniz

O «Es­tado da UE» se­gundo a Sr.ª Von der Leyen. Vai tudo bem e a linha se­guida é para con­ti­nuar: uma UE que se afunda em pro­funda crise eco­nó­mica e so­cial e se con­fi­gura como mero vas­salo dos EUA/​NATO. É para isso que ocupa o lugar. Os tra­ba­lha­dores e os povos que pa­guem o preço da crise geral do ca­pi­ta­lismo.

Há um sé­culo, dois im­por­tantes per­so­na­gens ci­tavam-se mu­tu­a­mente: nem mais nem menos do que Lé­nine e Keynes. Lé­nine cita Keynes no II Con­gresso da In­ter­na­ci­onal Co­mu­nista (1920). Re­fere-se a The Eco­nomic Con­se­quences of the Peace (1919) e à de­núncia aí feita das con­sequên­cias do Tra­tado de Ver­sa­lhes. Elogia-a, tanto mais que é for­mu­lada não por «um re­vo­lu­ci­o­nário co­mu­nista», mas por um «bur­guês au­tên­tico, um ini­migo im­pla­cável do bol­che­vismo».

Keynes cita Lé­nine nesse livro: «Diz-se que Lé­nine de­clarou que a me­lhor forma de des­truir o sis­tema ca­pi­ta­lista era de­gradar a moeda. Através de um pro­cesso con­tínuo de in­flação, os go­vernos podem con­fiscar, se­cre­ta­mente e sem serem ob­ser­vados, uma parte im­por­tante da ri­queza dos seus ci­da­dãos. Por esse mé­todo, eles não apenas con­fiscam, mas con­fiscam ar­bi­tra­ri­a­mente; e, en­quanto o pro­cesso em­po­brece muitos, na ver­dade en­ri­quece al­guns. A visão deste re­ar­ranjo ar­bi­trário das ri­quezas ataca não só a se­gu­rança, mas a con­fi­ança na equi­dade da ac­tual dis­tri­buição da ri­queza. ... Lé­nine tinha cer­ta­mente razão.»

Keynes não de­seja, evi­den­te­mente, que o ca­pi­ta­lismo seja des­truído. Lé­nine, pelo con­trário, vê no poder do ca­pital mo­no­po­lista a prin­cipal ameaça. Cri­tica as ilu­sões de Keynes acerca do papel da So­ci­e­dade das Na­ções: «a In­gla­terra, os EUA, o Japão […] não estão em con­di­ções de or­ga­nizar as re­la­ções eco­nó­micas e ori­entam a sua po­lí­tica para fazer fra­cassar a dos seus as­so­ci­ados da So­ci­e­dade das Na­ções.»

Não será o mesmo que se passa hoje, Sr.ª Von der Leyen?




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