Quanto pior, pior
A frase que o título vira ao contrário, «quanto pior, melhor», é atribuída ao filósofo russo Chernyshevsky. Não terá sido o primeiro a formular a ideia, comum a outros revolucionários de extracção burguesa durante o séc. XIX, de que «quanto piores as condições sociais para os pobres, mais inclinados estarão para a revolução».
Se assim sucedesse não faltaria então, como não faltaria hoje, o surgimento massivo da «inclinação revolucionária» que imaginavam. Infelizmente, não basta o incessante agravamento das condições de vida de uma grande maioria – acompanhado, como hoje sucede, da crescente concentração de riqueza no polo social oposto – para que tal se verifique.
No quadro existente para o futuro próximo no nosso País, uma coisa é segura: que o que estava mal para a as camadas populares ficará ainda pior. Era assim numa amostra quase aleatória: 11,6% de acréscimo nos preços da habitação no 4.º quartil de 2024 (Eurostat); aumento da privação habitacional severa (INE, 2024); 11,3% de crianças em agregados familiares em privação material e social (INE, 2024); mais de 50% dos agregados com necessidades de cuidados de saúde sem acesso a serviços profissionais pagos (INE, 2025); 10% mais ricos a concentrar o dobro do rendimento dos 50% mais pobres (WIDatabase, 2024). Era assim, ficará pior. Daria isto razão a Chernyshevsky? Muito pelo contrário.
O agravamento das condições de vida raramente será bom conselheiro. Mas há coisas no seu impacto que o são. A saída para tão duras condições materiais está contida na própria natureza dessas condições. Ouvindo Marx, perante elas apenas nos estaremos a propor as «tarefas que somos capazes de resolver», uma vez que «o problema em si só surge quando as condições materiais para a sua solução já estão presentes ou, pelo menos, em vias de formação». Tarde ou cedo, a maioria fará esse caminho.