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O mundo em suspenso
À espera do ataque

• Anabela Fino

A estratégia da aranha que os EUA desenvolveram para levar a cabo a operação «Liberdade Duradoura» está a dar resultado. O ataque, seja ao que for, está iminente. Na teia da alegada luta contra o terrorismo arriscam no entanto ficar presos muitos dos que, na pressa de se juntar a quem clama por vingança, ainda não perceberam que poderão ser as próximas vítimas.

No início da semana a ONU deu a palavra ao mayor de Nova Iorque, Rudolph Giuliani, que aproveitou a tribuna daquele fórum internacional para resumir de forma lapidar a posição norte-americana na complexa situação que se vive a nível mundial: «Já não há lugar para a neutralidade (...) Nós temos razão e eles estão errados.»

Não é necessário grande esforço para antever que o debate de cinco dias promovido pelas Nações Unidas sobre as formas de tornar mais efectivas a luta contra o terrorismo terminará amanhã com um resultado viciado. É verdade que, no sábado, a Assembleia Geral aprovou por unanimidade a resolução 1373, proposta pelos EUA, cujo texto vincula os 189 países membros a congelar os meios de financiamento a organizações terroristas, bem como a recusar apoio político, diplomático ou logístico a grupos suspeitos, e a acelerar a troca de informações. Mas também é verdade que continua por definir o que se entende por «terrorismo», sobejando motivos para temer que a resolução acabe por englobar, ao sabor dos interesses norte-americanos, legítimas lutas populares e movimentos de libertação em todo o mundo.

Há décadas que este é o busílis da questão. Pelo menos desde 1963 que a ONU aprova medidas contra o terrorismo, mas poucas tiveram efeitos práticos. Para os EUA, no entanto, a indefinição está longe de ser um obstáculo. Como disse sem rebuços Rudolph Giuliani, «não há tempo para mais análises. (...) Há que escolher entre civilização e terrorismo».

Idêntica posição é a da NATO: na segunda-feira activou formalmente o artigo V do Tratado, que obriga os estados membros a ajudar o que seja atingido por um ataque externo. Segundo George Robertson, secretário geral da NATO, as provas apresentadas pelos EUA converteram os atentados de 11 de Setembro em «acções cobertas pelo artigo V». Desconhecem-se que provas são essas, mas o alvo imediato é ben Laden e a organização Al Qaeda. Outros se seguirão, como deixou claro o secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, ao afirmar que «o presidente [Bush] está concentrado na primeira fase desta operação», acrescentando que, para além de ben Laden, «se trata de todo o problema do terrorismo no mundo». Segundo Powell, Bush «não descartou nenhuma possibilidade militar a respeito da segunda, terceira ou quarta fases da nossa campanha».

Se se tiver presente a longa lista publicada anualmente pelos EUA com o rol dos países que Washington considera «terroristas», é de temer que tenha chegado a hora do «ajuste de contas».

O esquema repete-se

Especula-se muito sobre as novas formas que assumirá esta guerra «inevitável». É o resultado do black out informativo imposto pelos EUA, da censura em vigor em nome da segurança. A análise das movimentações, no entanto, permite concluir que o esquema se repete, pouco importando se serão os ataques aéreos ou os grupos especiais a entrar em acção.

Os emissários da Casa Branca procuram aliados por todo o lado, recorrendo à ameaça, ao suborno e à chantagem junto dos mais recalcitrantes. Os inimigos de ontem são transformados em aliados de hoje e vice-versa. Congemina-se golpes de Estado. Conquista-se posições no terreno de acordo com os interesses geopolíticos, a pensar no futuro a longo prazo. Aproveita-se a oportunidade para endossar ao terrorismo a responsabilidade da crise económica que afecta os EUA, Japão e União Europeia.

Pode ser que alguma coisa do terrorismo seja abalada, mas quem pagará o grosso da factura serão os povos. O Banco Mundial já veio dizer que os atentados de 11 de Setembro afectarão gravemente os países menos desenvolvidos e condenarão mais 10 milhões de pessoas em todo o mundo à pobreza entre 2001 e 2002. A África será a região mais afectada, mas não a única.

Segundo os dados divulgados esta semana, entre 20 mil a 40 crianças menores de cinco anos poderão morrer devido ao aumento global da pobreza. Aos milhões que já vivem (?) abaixo do nível de pobreza - com um dólar (pouco mais de 200$00 escudos) por dia -, muitos outros se vão juntar se não forem alteradas as políticas de apoio ao desenvolvimento.

Entretanto, os EUA oferecem 25 milhões de dólares pela captura de ben Laden, «vivo ou morto», e o Congresso norte-americano pôs à disposição de Bush 40 mil milhões de dólares para a sua guerra do «bem contra o mal».

A resolução votada pelo Congresso dos EUA, recorda-se, autoriza o Bush a «usar toda a força necessária» contra «nações, organizações ou pessoas que ele [Bush] determine tenham planejado, autorizado, cometido ou auxiliado os ataques terroristas, ou abrigado tais organizações ou pessoas».

Por uma nova ordem mundial

Os partidos comunistas da Jordânia, Iraque, Sudão, Síria, Líbano, Egipto e o Partido Popular da Palestina divulgaram há dias uma declaração apelando à «convocação de uma conferência internacional no quadro das Nações Unidas», com o objectivo de «propor uma definição geral de terror internacional que faça distinção entre este e actos legítimos de resistência».

Na opinião dos subscritores, só desta forma «pode ser estabelecida uma aliança internacional contra o terror», a qual deverá ficar «sob a supervisão da ONU» e sob «a sua exclusiva responsabilidade».

O documento condena os ataques terroristas contra os EUA e lamenta «os milhares de vítimas inocentes», mas salienta que esta tragédia não pode impedir a análise das causas que lhe estão subjacentes. Na opinião dos subscritores, os acontecimentos de 11 de Setembro são «um amargo resultado da própria política americana», e uma «consequência do ressentimento e cólera tremendos que têm crescido em todo o mundo contra a injustiça, a opressão, a exploração e desprezo para com os seres humanos e os povos, e contra a crescente pobreza e miséria através do mundo».

O texto manifesta preocupação com a reacção norte-americana aos atentados, pautada pela «confusão, arrogância e falta de racionalidade», traduzida nas afirmações de que o mundo está perante «uma nova espécie de guerra» que «as forças do mal tinham declarado contra as forças do bem», e na intenção de desencadear «uma longa cruzada» contra os «novos inimigos».

Referindo-se ao apelo dos EUA para que o mundo se junte numa aliança contra o terrorismo, sem que sejam claramente apuradas responsabilidades, o documento alerta para o perigo de se poder estar a caminhar para «um ajuste de contas», com Washington a utilizar o «próprio ataque suicida como um meio de prosseguir a mesma política, i.e., a política de controlar o mundo e submetê-lo aos interesses americanos com exclusão dos outros».

Acusando a administração Bush de ignorar os factores que levaram à catástrofe, designadamente «a política de empobrecimento das nações com a pilhagem das suas riquezas, obstruindo as instituições de direito internacional, apoiando as infracções israelitas contra os direitos palestinianos, e a arrogância do poder e tentativas de hegemonia e exclusividade», o documento defende a rejeição destes objectivos americanos e apela para a convocação «de uma conferência internacional no quadro das Nações Unidas».

A iniciativa, lançada pela Síria e apoiada pelo Egipto e outros países, tem como objectivo «propor uma definição geral de terrorismo internacional que faça distinção entre este e actos legítimos de resistência».

A terminar, os subscritores alertam:

«Os Estados Unidos e o mundo permanecerão expostos ao terror enquanto a política actual de Washington continuar, enquanto a injustiça, a agressão e a usurpação persistirem, até ao despontar de uma nova ordem mundial na qual a justiça, a harmonia e a igualdade prevaleçam entre os povos.»

«Avante!» Nº 1453 - 4.Outubro.2001